Isso não é justo! dizem, entre risos, ironicamente zangados comigo – estamos jogando scattergories, o nome gringo pro jogo de raciocínio rápido de categorias e palavras. Nosso bom e velho Adedanha. Mas meus neologismos criam um tipo inesperado de competitividade.
Cor com A? Abacate, claro! Alguém diz que é comida. Apareço com um prato verde com pontinhos marrons, cor de abacate! Começa com frutas se transformando em cores. Os olhos piscam, meloso é um gênero de livro, pular é veículo de transporte e maratonar série é esporte olímpico. O jogo favorito da família é pontuado com base na variedade de respostas. As palavras mais diferentes e inovadoras ganham mais pontos. Meu jeito único de brincar cria tradição: observo o jogo, olhos percorrendo a varanda afoitamente, detectando detalhes. Sei que estamos compartilhando muito mais do que cabe em palavras inventadas.
A-DE-DA–NHA!, cantamos. Mostro as mãos, escondendo dedos. A-B-C-D-E-F… G! A letra principal guia o jogo, a rodada começa, a varanda dos meus avós fica pequena pra tanta gente! Não é à toa que não couberam no cartaz de árvore genealógica da quarta série. Como pode meus avós terem tido doze filhos? Acho que meus primos são minhas pessoas favoritas no mundo. Será que aceitam uma partida de Uno quando acabar aqui? O cheiro de comida mineira invade meu cérebro. Tem pão de queijo, bolo de cenoura e doce de figo pro café, certeza. A viola caipira dedilha, tento lembrar o tom. A lágrima escorre, não a seguro. Momentos como esse são oportunidades. Chance de conhecer de verdade aqueles rostos. Se eu perguntar sobre os comportamentos que refletem minha história, será que respondem? Não é atoa que invento tantas palavras.
Minha Sogra É? Genialista. Ela inventa coisas geniais! Como vocês fizeram pra entrar na faculdade? A orelha quase se levanta, escuto atentamente. Aprendo sobre quem foram. Contestam se “rocês” (essa inventei aos cinco, pra descrever a nacionalidade dos fazendeiros da cidade) seria ou não dialeto. Decido ler sobre espécies nativas. Preciso pontuar mais alto na categoria de animal. CEP? Gente reunida pra jogar conversa no vento. Minha cidade foi esquecida no mapa-mundi. No chão gelado de azulejo marrom, com as folhinhas da samambaia caindo e grudando em meu cabelo, construo um lugar pra ser curiosa. Estremeço. Adedanha me fez crescer.
Esse legado sincero carrega tudo que eu jamais poderia descrever em palavras, nem mesmo as que crio pra depois explicar. E eu crio várias! Mas as lições que aprendo estendem a gramática ou a criatividade. Neologismos refletem identidades, cada argumento é uma oportunidade de dialogar com novos verbetes. Nossas canetas perseguem descrições inventivas, um conta com a determinação e coragem do outro para compartilhar histórias ao longo da partida. Gargalhadas em meio à disputa é a forma que encontramos para nos mantermos unidos.
Quando o relógio se aproxima do STOP!, paro por um segundo. O sorriso marejado entrega o fascínio pelos laços intergeracionais. Deparo-me com tabelas repletas de inventividade. Até que escolho levantar a cabeça e encarar a vida. As caras de adulto preocupadas após o pensamento introspectivo é contraponto com a delicada curiosidade infantil ao acompanhar os tópicos da lista… Vejo minha vida como uma partida de adedanha. Sou leitora do mundo e quero coletar cuidadosamente as histórias que vivo e escuto como descobertas. Decifro narrativas ocultas em cada palavra e conto-as com a certeza de que são capazes de virar o placar de qualquer jogo.
Que texto perfeitooo! Essa escritora arrasa demais, me senti dentro da história junto com ela!