São nove da noite desta sexta-feira e estou dentro de um guarda-roupas. Não, você não leu errado: um guarda-roupas, aquele móvel grande que guarda calças e camisas, hoje, guarda também uma mulher cheia de devaneios. Embora os compartimentos de madeira clara pareçam ideais para o armazenamento de vestimentas, é pequeno demais para caber meus próprios pensamentos. Pequeno como a minha cabeça.
“Não consigo escrever” – É este o pensamento majoritário; o aparente grande problema dos últimos dias… semanas… meses. Mas também não sei o porquê. Não é como se me faltassem palavras, elas estão sempre lá; as reflexões também me rodeiam a mente como urubus que circulam a carniça. “Então, por que diabos não consigo escrever?!”
Sinto-me abafada agora. Talvez pela falta de ventilação das portas fechadas do guarda-roupas, mas sei que é algo maior, algo mais profundo, talvez do âmago do mundo. É ele – o mundo – que está abafado. Abafa meus pensamentos, abafa quem eu sou, abafa o que eu quero ser e fazer e me tranca atrás de portas de guarda-roupas como fez com tantos antes de mim. Não quero ser assim, nem estar assim, condicionada a um cubículo, ao pouco, a olhar a vida somente através da luz de uma mísera lanterna, como a que ilumina essa escrita bagunçada. Quero muito mais. Abrir as portas e enxergar até onde a vista alcança. E que seja longe!
…Pra isso, preciso voltar a escrever, e me recordo: não consigo escrever. Então, me acomodo aqui nesse guarda-roupas por mais um tempinho; releio o texto; corrijo a gramática e revejo o português. Revejo. Revejo até ter coragem o suficiente para escrever sobre algo muito mais meu do que o fato de não conseguir escrever.