É preciso viajar mais ao passado para compreender o meu passado mais recente e o meu presente que tanto sente. A minha eterna saudade sempre foi minha alegria diária, com olhos castanhos penetrantes, sinceros e confusos quando me ouvia cantar, ânimo absurdo quando havia comida em minha mão, de modo que as quatro patas viravam duas quando tentava alcançar minha comida. Meu pai fez muitas coisas boas na minha vida que serei sempre grato, mas aquele presente de natal na noite com poucas estrelas e muitas nuvens em 2006 foi um acerto imensurável, todos os presentes depois viraram consolação, pois nada supera, aquele ano se tornou a minha felicidade.
Ao me observar brincando com ela se podia contar todos os dentes existentes na minha boca, e observar onde não havia também. Finalmente nos momentos mais estressantes do dia a dia da minha mãe havia alguém para eu salvar do inimigo super perigoso e inexistente que assombrava o universo dentro da minha cabeça, molhado em suor após diversas lutas contra o nada, diálogos soltos e bem construídos ditos para ninguém. Porém, na vida real era ela quem me salvava, sem capa ou máscara, ou roupas furtadas para fazer fantasia, quando as lágrimas escorrem não caem no chão, mas em pelos brancos, encaracolados e macios, e são enxugadas com uma língua quente que faz cócegas.
Minha vida ao seu lado foram aventuras incríveis que jamais serão encontradas nos livros da J.K. Rowling, a alegria, a companhia, a fidelidade e o amor, hoje tão pouco para descrever, dando lugar e tom a tristeza, pois naquele dia em que chorei ela era o motivo, e mesmo sem tentar, pela última vez encontrei nela um consolo.
Na noite onde o calor deu lugar ao frio, e solidão era a única companhia, recebo uma ligação que mudou todo o significado anterior de tristeza, e tatuou a ferro o horário onde minha alegria se foi. E eu fui ao encontro dela, minhas mãos tremiam enquanto colocava minha camisa cor salmão que ela um dia vomitou, meu coração, por algum milagre batia, apesar de ser sem ritmo e sem compasso, e havia suor em minhas mãos. E diante seu corpinho pela última vez afundei meu rosto em seus pelos brancos, encaracolados e macios, mas dessa vez sua língua quente não enxugou minhas lágrimas, e ali havia desespero, e nela havia leveza, como se todo o peso que um dia nela depositei se dissipou em seu merecido descanso. E em sua despedida percebi que a falta da Zuca será sempre sentida.
Na sua morte não havia mais aquele brilho penetrante, sincero e confuso, e seu ânimo deu lugar a um corpo inanimado. Não podia contar os dentes de minha boca, e agora eu não havia a quem mais salvar e logo abandonei aquele universo que já não tinha mais sentido ser salvo. E na vida real eu precisei ser meu próprio herói, sem capa ou máscaras, e com as minhas próprias roupas, e sua falta sempre será a kriptonita.