Não me recordo quando passei a achar que sua cor era laranja, mas se precisasse dizer, por motivo improvável que fosse, diria que sim a cor dele era laranja. O laranja, pelo que se sabe, a cor da alegria, da diversão e do sucesso. Mas, por mais adequada combinação, no fim minha memória não foi tão eficiente em adivinhar sua tonalidade predileta, quero dizer, é com certeza uma de suas suas cores, mas claro que, para dificultar, decidiu que o laranja dividia pódio com outra qualquer. Mas aqui, a fim de facilitar meu trabalho, tratemos dele como a cor no título.
Imagine-se em um dia ruim, daqueles em que você, leitor ou leitora, por pior que esteja ainda sim deva cumprir sua rotina seja lá qual for, mas sem o mínimo de ânimo para oferecer um bom dia, se agarrando a qualquer oportunidade de se isolar em um canto. E lá estava eu, sentado no canto do meu próprio crânio, apiedando-se de mim mesmo enquanto esperava o tempo perceber que já era hora de passar. Como eu gostaria de uma oportunidade para ser desnecessariamente rude com um infeliz qualquer, mas em desejos como esse é que o destino nos prega as maiores peças, pois abrindo um grande sorriso branco, minha oportunidade caminhou diretamente ao meu encontro.
Meu grande amigo, riu-se dentado de animação. Tentei fazer juz ao meu desejo e manter meu nível de amargura realista, mas soltei meio riso que ele não pôde ver por de trás da máscara. Me perguntei como alguém poderia ser tão insuportavelmente contagioso com o vírus da alegria, capaz de burlar meu acessório de prevenção. Lembrei justamente de pautar certa vez sobre ele, que nunca antes o havia visto entristecido, ou mesmo chateado, parece sempre contente. E realmente parecia, surgia com seu rosto simpático, ostentando o sorriso, alternado de gargalhadas profundamente honestas. Mas não quero que me interprete mal, eu realmente acho tudo isso um saco. Vamos lá, admito que naquele instante ele conquistou a proeza de alegrar um dia ruim, mas na maior parte do tempo, ao contrário de Alice em seu país das maravilhas, não penso duas vezes em virar a cara quando vejo aquele sorriso flutuante. Bom, também não quero que me entenda tal como um senhor mal humorado e grisalho, se trata mais de uma chateação do que uma aversão.
Na maioria de nossas conversas, em que ele insiste alguma besteira sobre ter vencido uma partida de bingo, como se digno de algum reconhecimento, estou sempre mantendo um personagem amargurado em contrapartida ao dele. Claro, rende boas risadas de ambos os lados, quase como uma dupla de palhaços se alfinetando. Entretanto com grande frequência, sinto não poder levá-lo a sério. Seja qual for o momento, o fôlego para mais uma brincadeira não acaba, e isso é digno do meu eterno desgosto. Provavelmente ele deve pensar o exato oposto da minha pessoa.
Pego-me pensando sobre sua seriedade, afinal tomo nota de um ou outro acaso que afligiu a vida do senhor sorriso, mas falta pista disso no semblante, algum pesar ou rancor, porém não encontro traço ou ruga, ou qualquer vestígio aparente. Como se o autor tivesse escrito um personagem carismático sem incluir uma real profundidade em sua personalidade ou como um ator escalado em um seriado, que não passa de um alívio cômico. Sinto raiva dessa falta de seriedade e animação interminável, talvez quem sabe eu o inveje. Qual é? Quem não invejaria aquele com o segredo para a felicidade? Quem sabe eu seja realmente um chato, por mera contrariedade. Mas não vou me rebaixar a admitir que o admiro, não em palavras, mesmo inaudíveis.
Como se diz mesmo aquela música? Eu devia sorrir mais, abraçar meus pais, viajar o mundo e socializar. Aí é suficiente. Sorrir mais. Parece que o infeliz levou ao pé da letra. Acho que no final escolhemos nossos papéis nessa vida, quem sabe um dia eu ainda o veja chorar, ou mesmo ele me veja sorrir? Difícil julgar qual seria mais inusitado. Mas sim, mesmo contrariando-o ferreamente, não preciso dizer que ele é meu amigo, algumas coisas são subentendidas, não seria culpa minha, nem de longe, se ele fosse tolo demais para perceber. Afinal, por mais contrastantes que possamos ser, também escolhi o laranja. Não como ele, o tom vibrante da fruta, da animação e da prosperidade, mas o laranja transitório de um pôr do sol.