Quem respira em tempos de coronavírus?
Por: Estela Máris Antunes
Já faz pelo menos 8 meses que o mundo está vivendo a pandemia do novo coronavírus e, em meio à tragédia humana inestimável, é difícil ver algo positivo nos noticiários acerca do principal assunto do ano. No entanto, enquanto medidas de isolamento social vigoram nos países diminuindo o ritmo de vida das pessoas, o meio ambiente, finalmente, tem respirado de novo.
No início de março, a NASA divulgou uma imagem comparando a quantidade de dióxido de nitrogênio liberada em Wuhan durante os dois primeiros meses dos anos de 2019 e 2020 em que, no segundo, o número chegou a praticamente zero.
Isso aconteceu porque a queda das atividades industriais e da circulação de automóveis diminuiu drasticamente a poluição do ar, principalmente nas áreas mais afetadas pelo vírus como a cidade chinesa onde a pandemia teve início. Um estudo realizado pela Universidade de Oxford mostrou que aproximadamente 77 mil vidas que poderiam ter sido comprometidas em decorrência de complicações pela poluição atmosférica foram salvas na China. Inclusive, em um outro estudo feito pelo CarbonBrief [site britânico criado para melhorar o entendimento das mudanças climáticas], estima-se que o planeta tenha uma queda de 6% na emissão de gases estufa em 2020.
“Enquanto os seres humanos seguem em busca de uma cura ou prevenção, parece que a natureza já encontrou a dela”
Isabella Otto, Jornalista
Outros países pelo mundo também mostraram uma queda acentuada na poluição não só do ar, mas também da água e, logo, as consequências dessa diminuição começaram a se manifestar. Em decorrência da baixa circulação de pessoas nas ruas e praias do munto todo, o lixo que antes ia parar nos rios e mares teve outro destino [não necessariamente correto, mas precisaríamos de outra conversa para falar sobre isso], tornando ambientes aquáticos propícios à vida de novo. Golfinhos foram vistos nos canais de Veneza, por exemplo, o que não era comum há muito tempo.
Ainda assim, mesmo com números que representam um grande avanço na missão de evitar o aumento do aquecimento global, é difícil ganhar a briga contra o capitalismo. Na tentativa de recuperar os prejuízos econômicos, as indústrias já estão voltando com as suas atividades. Em cenários pós crise na era da produção em massa, é esperado que isso ocorra. No início, a esperança de muitos era de que a atenção de nós, seres humanos, finalmente, se voltasse para as questões ambientais mas, como resposta, várias cidades chinesas, em suas reaberturas no mês de maio, registraram um aumento de 5% de dióxido de nitrogênio e dióxido de enxofre na atmosfera em relação ao ano passado.
Esse é só um exemplo de uma tendência que é mundial. Claramente, a humanidade não aprendeu nada e está pagando para ver um último suspiro da natureza.
Mas… e no Brasil?
Por aqui, com o isolmanento social a Baía de Guanabara nunca viu tantos peixes e tartarugas, o lixo nas praias do Rio de Janeiro foi reduzido em 91% e, no estado vizinho, a poluição do rio Tietê diminuiu pela primeira vez em 10 anos.
No entanto, no Brasil temos um problema que nos coloca na contramão dessa melhora ambiental momentânea: o agronegócio. Ele pode até ser a base da nossa economia mas, na prática, os limites não são respeitados e o preço é muito alto.
Segundo o Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), os setores da Agropecuária e de Uso da Terra correspondem a mais de dois terços das emissões de gases estufa no nosso país e, sendo assim, a melhora nos outros setores acaba não sendo tão significativa. Aqui, temos uma cortina de fumaça que se aproveita do olhar das pessoas para a pandemia e faz com que o pico de mortes pelo vírus e o de desmatamento na Amazônia aconteçam ao mesmo tempo e, cá entre nós, sabemos o motivo desse desflorestamento, não é mesmo? Considerando esses dados, a conclusão é de que enquanto o mundo comemora seus 6% de redução de gases estufa, o Brasil contribui com um aumento de 10% a 20% (em relação a 2018). Essa é a história que queremos contar para as futuras gerações?
Observação: Essa matéria foi escrita em meados de junho/julho de 2020 e seus dados e informações correspondem a esse período da pandemia.
A matéria original escrita para a revista Amplie está aqui.