Casos de violência doméstica em Minas Gerais são subnotificados e realidade contrapõe dados
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Durante a pandemia, as mídias evidenciaram um aumento de ocorrências de violência doméstica e familiar contra a mulher no Brasil pela presença recorrente de casos nos prontuários noticiosos. Entretanto, os dados da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) de Minas Gerais indicaram uma tendência contrária ao que era evidenciado pelos canais de comunicação, apresentando uma queda contínua desses números, principalmente neste período pandêmico. Sendo assim, para responder se esses valores condizem com a realidade, foi desenvolvida uma análise referente às informações oficiais em contraponto com as perspectivas de profissionais mulheres que estão diariamente à frente da pauta em seus espaços de trabalho.
Metodologia
Os dados analisados da Sejusp contemplam as ocorrências elaboradas pela Polícia Militar, Polícia Civil, Corpo de Bombeiros Militar e Sistema Prisional. A tabela utilizada possui registros do estado de Minas Gerais, que vão de janeiro de 2018 a julho de 2021, quando foi atualizada por completo pela última vez. Para a reportagem, os dados foram filtrados de acordo com o período de pandemia (março de 2020 – julho de 2021), e números dos anos de 2018 e 2019 serviram como parâmetro comparativo de antes do surto mundial do Coronavírus.
Além disso, para detalhar o quadro do município de Viçosa, foi feita uma curadoria de municípios semelhantes em termos de números populacionais no estado, na faixa de 70 mil a 100 mil habitantes, para análise comparativa. Depois, para afunilar o escopo, foram selecionados 3 municípios da Zona da Mata Mineira, fora Viçosa, cuja distância geográfica não supera 200 km.
A partir disso, buscou-se apurar: a porcentagem de violência doméstica que Viçosa representa em Minas Gerais; a cidade num raio de 200 km em relação à Viçosa com o maior índice de violência doméstica e familiar; a relação entre o número de ocorrências em redução, enquanto o número de feminicídios e medidas protetivas aumentam; e o pico de violência doméstica no estado e em Viçosa.
Ademais, também foram usadas tabelas da Sejusp referentes às vítimas de feminicídio e dados do Anuário Brasileira do Fórum de Segurança Pública referentes às medidas protetivas de urgência concedidas pelo Tribunal de Justiça em Minas Gerais, a fim de levantar números absolutos referentes a 2019 e 2020, como complemento aos dados enfocados.
Minas Gerais
O estado mineiro teve uma redução de 4,1% no número de ocorrências de violência doméstica contra a mulher, registradas pelos órgãos de segurança pública, caindo de 209.627 casos no biênio 2018-2019 para 201.024 casos no biênio 2020-2021, em comparação com o mesmo período da pandemia.
Orientando-se pelos anos de 2019 e 2020 no gráfico 3 (em que consta a análise completa de seus 12 meses), houve uma queda de 5.701 ocorrências de violência doméstica contra a mulher em Minas Gerais nesse intervalo de tempo. Entretanto, os dados do mesmo período sobre vítimas de feminicídio e medidas protetivas concedidas oscilaram em ritmo de crescimento.
O contexto se mostra incongruente, já que os dados destoam. Se o feminicídio é o ápice da violência doméstica contra a mulher, e seu índice aumentou, os números de ocorrências de violência deveriam crescer em conformidade, por representarem situações de ‘dano em menor grau’.
Ione Barbosa, Delegada de Mulheres e Titular da 4ª Delegacia de Juiz de Fora, explica os motivos que fazem os dados de Minas Gerais divergirem:
De acordo com a delegada, o que diminuiu foram apenas as notificações, que são o que permite criar registros e dados, mas “a violência em si aumentou”, disse. As incertezas nos estágios iniciais da pandemia tornaram o contexto de violência mais complexo para as mulheres, já que os serviços assistenciais e de notificação foram suspensos e tiveram um retorno lento e gradual. Enquanto isso, instauraram-se situações de vulnerabilidade no âmbito das relações íntimas, porque a quarentena obrigou mulheres a ficarem mais tempo próximas de seus agressores dentro de casa.
Um dos fatores que permite compreender o quadro de subnotificações é a naturalização de comportamentos violentos. Ainda segundo a delegada, em muitos casos a mulher não percebe a gravidade das situações a que está submetida, encarando episódios violentos como ‘brigas comuns’. Por isso muitos casos de agressão não chegam às autoridades. Em algumas situações, as mulheres buscam as autoridades, mas não são compreendidas ou atendidas como deveriam pelos profissionais de segurança pública, e então retornam ao ambiente de agressão, ficando presas em um ciclo de violência.
Na análise para a construção da reportagem, nota-se que o mês com o maior número de ocorrências em Minas Gerais foi em janeiro de 2021, totalizando 13.613 casos no Estado. Para entender quais motivos poderiam levar a esse fato, autoridades entrevistadas explicam que embora a violência seja um problema generalizado e imprevisível, existem alguns fatores que podem agir como certos padrões para o surgimento de novas ocorrências registradas. Juliana Califf, Delegada da Divisão Especializada em Atendimento à Mulher de Belo Horizonte, e Ione Barbosa citam tendências que observaram na prática.
Viçosa
“Viçosa tinha em 2009 apenas 3 casos de violência contabilizados pelo sistema de saúde. No ano seguinte, a Casa das Mulheres iniciou o trabalho de registro e computou quase 900 casos“
A título analítico, Viçosa foi selecionada junto de outros 20 municípios cujo número de habitantes varia de 70 mil a 100 mil indivíduos. Em seguida, a lista foi reduzida para 4 municípios, dos quais 3 encontram-se a menos de 200 km em referência ao município viçosense e que possuem proximidade com a população absoluta deste. Assim, foram comparados os dados de violência de Ouro Preto, Cataguases, João Monlevade e Viçosa.
Em comparação com as cidades mineiras selecionadas, as informações colocam Viçosa em uma situação singular. De 79910 viçosenses, 0,67% dessas pessoas são mulheres que registraram situações de violência (532 casos). O valor se distancia da realidade recorrente das ouro-pretanas (800 notificações), que representam 1,07% da população, com o maior índice entre as 4 cidades, sendo a que possui a menor população estimada. Apesar dos números gerarem uma esperança sobre a proteção da mulher em Viçosa, essa distinção não se deve à segurança, mas assim como o estado mineiro, à uma baixa quantidade de registros.
Para entender o contexto viçosense, o Observatório de Violência Contra a Mulher de Viçosa mapeou os sistemas de apoio não especializado à população feminina, identificando a Polícia Civil, a Defensoria Pública e a Casa das Mulheres, fora os serviços de saúde e assistência social. Dentre os listados, a Casa da Mulher se destacou por ser uma rede não especializada de acolhimento e encaminhamento de mulheres em situação de violência. O projeto foi criado a partir da parceria entre a Universidade Federal de Viçosa, por meio do Núcleo Interdisciplinar de Estudos de Gênero – NIEG e a Defensoria Pública, com apoio da Prefeitura de Viçosa (PMV), em 2010.
Seu funcionamento foi financiado por bolsas de iniciação à extensão da UFV de 2013 a 2016, quando em 2017 a Prefeitura firmou um convênio com o projeto, que durou até março de 2020. Entretanto, coincidindo com o início da pandemia, o Executivo não renovou a parceria, impedindo a continuidade dos trabalhos. Justamente quando órgãos de saúde como a OMS alertavam para a possibilidade do aumento da violência doméstica, Viçosa perde temporariamente um de seus serviços de proteção.
Para tornar palpável o peso da suspensão das atividades do projeto na cidade, uma das coordenadoras técnicas do projeto, Cristiane Melo conta que em pleno funcionamento a Casa tinha como objetivo articular a rede de enfrentamento à violência contra a mulher. Dessa maneira, não só os entes citados acima, como também o Centro de Assistência Social, unidades de saúde e hospitais estariam integrados no processo. Além disso, eram feitos encaminhamentos individualizados e planos de cuidados específicos, de acordo com a realidade de cada mulher que buscava o atendimento.
Segundo a coordenadora, a diminuição de notificações durante a pandemia foi concomitante à suspensão de atividades do projeto. O fato se assemelha a uma situação inversa ocorrida em 2009, quando os sistemas de geração de dados sobre violência ligados aos órgãos de segurança e saúde, por exemplo, manifestaram estatísticas que, sem olhar crítico, significavam um quadro positivo. Quando a Casa passou a registrar ocorrências e computá-las, os números cresceram de maneira abrupta e preocupante, como conta Cristiane.
Com boa expectativa, a coordenadora afirmou que o projeto foi contemplado em uma emenda parlamentar da deputada federal Áurea Carolina Silva (PSOL-MG) como alternativa financeira para o retorno das atividades da Casa. O recurso corresponde a R$349.900 e vem sendo descentralizado para a Universidade ao longo de outubro, a fim de ser disponibilizado nos próximos meses. Cristiane ainda expressou seu anseio por um convênio mais longevo com a PMV e cooperação técnica com a Defensoria Pública. Com a conclusão do trâmite, o trabalho da Casa das Mulheres deverá ser restabelecido no início de 2022.
Fontes de Dados:
- Violência doméstica e familiar contra a mulher (2018 a 2021) e vítimas de feminicídio em Minas Gerais (2018 a 2021);
- 15º Anuário Brasileiro de Segurança Pública;
- IBGE (cidades).
Trabalho realizado pelo grupo: Marcelo Zinato, Melina Matos e Thiago Fernandes.