Agroecologia Solidária: conheça a história de mulheres quilombolas de Viçosa

Agroecologia Solidária: conheça a história de mulheres quilombolas de Viçosa

Entenda como o cultivo familiar sustenta, física e culturalmente, as comunidades quilombolas da região de Viçosa (MG) há centenas de anos.

A pouco menos de 10Km de distância do centro urbano de Viçosa, Zona da Mata mineira, localiza-se a Comunidade Quilombola do Buieié. De acordo com a legislação brasileira, são considerados quilombolas aqueles grupos que, de modo geral, resistiram à brutalidade do regime escravocrata rebelando-se contra os mantenedores desse sistema e que, até os dias de hoje, se mantém como unidade remanescente de seus antepassados através de tradições culturais transmitidas através das gerações. 

Os direitos dos quilombolas brasileiros

Muitos quilombos, como o do Buieié, estão próximos ou até mesmo inseridos nos centros urbanos, ainda que muitas vezes estejam deslocados culturalmente do restante da população. Estas comunidades podem estar presentes em zonas rurais e também em grandes centros em forma de bairros.

Todas as comunidades quilombolas possuem o direito à suas terras garantido pela Constituição Federal através do Art. 216, apoiando assim a preservação cultural e histórica desses povos, ainda que muitos deles não sejam oficialmente reconhecidos pela Fundação Cultural Palmares (FCP). Isso porque, como redutos de resistência e sobrevivência, as comunidades quilombolas possuem raízes culturais, familiares e de subsistência nas terras onde se instalaram.

De acordo com o artigo A Economia dos Quilombos, desenvolvido pelo grupo de Pesquisa FAPESP e escrito por Márcio Ferrari, os senhores de terra possuíam o hábito peculiar de cederem uma pequena parte de seus terrenos para que sua população escravizada mantivesse uma plantação para próprio sustento. Este ato fez com que o domínio da agricultura e do comércio de excedentes fosse o sustento de muitas dessas pessoas, mantendo hábitos milenares de sobrevivência vivos nas comunidades quilombolas ainda hoje e fazendo necessária a garantia de suas terras.

Ainda que, claro, essa não seja a principal economia gerada em todos os quilombos, é muito comum que os cultivos e artesanatos produzidos dentro dessas comunidades extrapolem seus limites territoriais e façam parte também do consumo de outras populações em seu entorno. Este é o caso da Comunidade Quilombola do Buieié. Muitos de seus moradores trabalham na área urbana da cidade de Viçosa, porém produzem também produtos agrícolas e de artesanato cultural que são comercializados na Feira do Buieié, que ocorre mensalmente desde 2019.

Segundo Julius Keniata, pesquisador de direitos de povos e comunidades tradicionais, quilombola e assessor técnico do Buieié, existe uma concepção generalizada de que todos os quilombos devem manter cultivos próprios, o que muitas vezes não acontece. Por serem redutos culturais inseridos em sociedades urbanas, os quilombos sofrem, com o tempo, as influências das regras socioeconômicas praticadas por tais sociedades. 

A feira quilombola do Buieié

A Feira, criada a partir de uma iniciativa de estudantes do curso de Economia Rural na Universidade Federal de Viçosa (UFV) e moradoras do quilombo, tem como objetivo não apenas fomentar a produção e a economia na comunidade mas, também, promover a participação dos moradores e do público externo em debates sobre cultura, raça, tradição e ancestralidade.

 Entre os temas debatidos, muitos abrangem a importância da preservação histórica dos povos quilombolas e o reconhecimento de seus direitos perante a lei, mostrando como a atividade do cultivo praticada por eles é uma forma de manutenção de tradições.

“Ir na feira foi uma experiência bem gostosa porque, além de ter produtos de qualidade e comida caseira, eu consegui me conectar um pouco com a minha ancestralidade e ver, principalmente, a preocupação que os organizadores têm em educar as pessoas de lá sobre coisas relevantes, como saúde por exemplo.” Relato de Luara Miranda, estudante de Jornalismo que visitou a Feira do Buieié

Como funciona a agroecologia solidária

Ainda que em um consenso geral o termo “economia” possa significar trocas comerciais onde há venda e geração de lucro, dentro das comunidades ele muda de sentido. A chamada economia familiar e/ou solidária é praticada entre os moradores, se baseando não só na compra e venda de insumos, mas também na troca. 

Dessa forma, produtos cultivados por um morador podem ser trocados por outros produzidos por diferentes famílias da comunidade, garantindo, então, a alimentação saudável e de qualidade a toda a população quilombola. Por muito tempo entre os quilombos da região de Viçosa, porém, o cultivo e as trocas comerciais não eram vistas como economia. 

Praticadas em sua maioria pelas mulheres quilombolas, as trocas dos alimentos cultivados eram consideradas práticas sem importância e sem caráter monetário, por aparentemente não gerarem dinheiro. Para provar a relevância econômica dessa cultura, foi criada a Caderneta Agroecológica, uma iniciativa do Centro de Tecnologias Ativas da Zona da Mata (CTA) para formalizar a economia realizada pelas mulheres quilombolas e agricultoras do espaço rural da cidade.

Na caderneta, as mulheres anotam a mão tudo aquilo que foi produzido, aquilo que foi vendido e o que foi trocado com vizinhas, amigas e familiares. Realizando este levantamento, elas perceberam que contribuem para a manutenção da casa e da família muito mais do que imaginavam. Enxergar a importância da economia familiar e solidária é essencial para encorajá-la e desenvolvê-la nas comunidades, mostrando que seus hábitos culturais continuam dotados de resistência e sobrevivência.

Segundo a vereadora Jamille Freitas, membra ativa do Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (COMSEA) de Viçosa, são produções da agricultura familiar como a realizada no Quilombo do Buieié que garantem a segurança alimentar de grande parte das famílias de baixa renda da região. Este fenômeno é documentado no Brasil inteiro através do CONSEA, órgão de igual valor que administra a segurança alimentar em nível nacional. Mais informações podem ser consultadas no site oficial do conselho.

Mulheres da comunidade quilombola do Buieié produzem artesanatos para venda na feira.
Foto: Thais Cal/ Luara Miranda

É essencial para aqueles que estão fora dessas comunidades, porém envolvidos em muitos dos mesmos círculos econômicos, entenderem então qual é realmente o papel do cultivo e produção na manutenção e sobrevivência cultural desses povos que utilizam de seus conhecimentos tradicionais como forma de subsistência. A agroecologia solidária é alimento, não apenas para os povos, mas para a cultura, para a tradição e, principalmente, para a resistência.

Thais Cal

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