De uma sentença de morte a um recomeço: a realidade de portadores do HIV em Viçosa
Um olhar diferente para um horizonte permeado por estigmas.
O medo, os estigmas e as barreiras sociais são realidades presentes na vida de pessoas expostas ao vírus HIV, e em uma cidade como Viçosa, Minas Gerais, isso não seria diferente. A doença, muitas vezes tratada como uma sentença de morte, pode representar apenas mais um capítulo em uma longa jornada de vida.
Já se passaram mais de 40 anos desde os primeiros casos confirmados de HIV no Brasil, e, ao longo deste tempo, muitas barreiras foram derrubadas. Mesmo assim, os preconceitos persistem, marcando para sempre a vida das pessoas que recebem o diagnóstico, de forma a alterar as suas trajetórias para além do vírus.
Um dos principais preconceitos, inclusive, associa o HIV às pessoas homossexuais, reforçando um forte estigma que perdura há anos, tanto na população viçosense, quanto em todo o mundo. Ele se remete à teoria de que estas pessoas seriam os maiores responsáveis pela proliferação do vírus.
Isso porque, na década de 70, época em que as pesquisas de HIV e a própria doença davam seus primeiros passos, o número de casos aumentou consideravelmente em homossexuais e, a partir disso, foi associado às suas práticas sexuais com a alta disseminação.
Pautada cada vez mais em preconceitos, essa lógica se tornou sem fundamentos. Após mais de 50 anos do primeiro caso em Nova York, o avanço das pesquisas de saúde descobriu que 49% dos diagnosticados com HIV são heterossexuais, enquanto 39% são pessoas homossexuais e 9,1% bissexuais.
Em Minas Gerais, o contexto não é diferente: entre 2010 e 2023, foram registrados cerca de 7 mil casos de HIV a mais em pessoas heterossexuais do que em homossexuais. Os dados são da Controladoria-Central de Minas Gerais (CGE-MG) e foram obtidos pela reportagem no dia 28 de janeiro de 2025.
Apesar da realidade ser contrária ao estigma, os preconceitos ainda fazem parte da vida de muitos e, em Viçosa, atrelam-se às diferentes peculiaridades da cidade, o que impacta o cotidiano de diferentes formas, seja no tratamento ou nas atividades do cotidiano.
Do diagnóstico à ocultação
É o caso de Vinicius Soares, graduando em Dança pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), portador do vírus HIV e homossexual. Com apenas 23 anos, ele foi diagnosticado como o tipo positivo indetectável. Isso significa que, embora o vírus esteja presente em seu organismo, não há possibilidade de transmissão, mesmo em relações sexuais sem proteção.
Em Viçosa, os dados do CGE-MG indicam que, desde o início da série histórica, em 2010, 304 casos de vírus do HIV foram detectados. Destes, cerca de 164, mais da metade, são de pessoas entre 15 a 30 anos, o que é o caso de Vinicius. Além disso, diferente dos outros contextos, 48% dos diagnósticos são de pessoas homossexuais e 29,6% heterossexuais, enquanto os outros 22,4% são bissexuais ou não definiram sua sexualidade.
Diante de seu diagnóstico, apesar do receio devido ao estigma, Vinicius escolheu compartilhar a notícia com amigos mais próximos que, posteriormente, tornaram-se uma rede de apoio para a procura dos atendimentos adequados e no confronto inusitado com a doença.
No entanto, a maior parte das pessoas com HIV dificilmente tornam público o diagnóstico, justamente para evitar as consequências do estigma associado à doença. A ocultação da portabilidade do HIV é um dos principais pontos analisados pelo antropólogo Victor Cezar.
O também cientista social elaborou uma pesquisa acadêmica com foco em experiências de pessoas com a respectiva doença vivendo em Viçosa. Em sua análise, ele menciona que o estigma impacta a maneira como essas pessoas lidam com a condição, suas relações pessoais e sua saúde mental.
Assim como a revelação pode ser extremamente desafiadora, a ocultação também pode gerar um sofrimento profundo no paciente, o que levaria a comportamentos que ajudam a evitar quaisquer suspeitas sobre sua situação de saúde, evitando possíveis consequências do estigma, mas se prejudicando psicologicamente.
Sentença de morte
Além de enfrentar os estigmas que acompanham a condição, as pessoas que vivem com HIV também lidam com o medo constante das consequências da doença, muitas vezes percebidas como uma sentença de morte.
Essa visão, no entanto, também não está condicionada à realidade atual. Segundo a base de dados da CGE-MG, desde o início da série histórica, apenas seis pessoas morreram por sintomas relacionados ao vírus, evidenciando os avanços no tratamento. Atualmente, o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece gratuitamente os medicamentos necessários para o tratamento do HIV, permitindo que as pessoas portadoras do vírus vivam normalmente, desde que sigam o tratamento de forma adequada.
Uma esperança no fim do túnel
Em Viçosa, o espaço Centro de Testagem e Acompanhamento (CTA) oferece serviços orientados para detecção de ISTs (Infecções Sexualmente Transmissíveis), além de aconselhamento e distribuição de preservativos.
Pesquisadores como Victor podem desempenhar um papel crucial na maior difusão de informações sobre o HIV, contribuindo para mitigar os duros julgamentos impostos às pessoas soropositivas. Da mesma forma, personagens como Vinicius ocupam um espaço de resistência e luta, uma luta pela valorização de sua própria história e trajetória, desafiando estigmas e inspirando mudanças na percepção social sobre a doença.
No fim, embora os avanços no tratamento e na conscientização tenham proporcionado mais dignidade às pessoas que vivem com HIV, a sociedade ainda está longe de oferecer o acolhimento que elas realmente merecem.
Reportagem produzida por: Eduardo Andrade, Emily Christine, Gabriel Victor, Pedro Victoretti e Ronaldo Scanavini.