Cineclubismo e Resistência:História e formação de público no Cineclube Carcará
Sexta-feira à tarde, o corredor principal do Porão do Centro de Vivência, refúgio do movimento estudantil da UFV, já está quase vazio. Apenas alguns alunos estão por ali fazendo cópias de textos e exercícios para o final de semana. De longe um som diferente atrai alguns deles para a curva do corredor pouco à frente, onde entre atrás das cortinas verdes é exibido um filme.
As paredes da sala de cinema expõe com orgulho os cartazes das mostras realizadas desde a sua reativação. Acolhidos pelo histórico cineclube Carcará, um público de cerca de 25 pessoas assiste inquieto aquele que é considerado por muitos o melhor filme dos anos 2000.
O cineclube de quase 50 anos já circulou por diversos espaços da universidade, mas encontrou no Porão seu abrigo durante o período da Ditadura Militar e lá realiza mostras quinzenalmente em uma Sala de Cinema cedida pela Divisão de Assuntos Culturais da UFV. Segundo Cássio Lopes, ex-membro do Carcará, o cineclube é um espaço de importância histórica na divulgação do cinema e da cultura na cidade.
“Não conheço nenhum outro movimento cultural em Viçosa que tenha sido tão frequente e duradouro quanto o Carcará.”
Cássio Lopes
Público no Cineclube Carcará
As mostras são realizadas em dois horários, à tarde e à noite, para que alunos de diferentes turnos consigam assistir e, normalmente, são exibidos de 3 a 5 filmes ao longo de uma semana. A curadoria dos filmes exibidos é feita por todos os membros do cineclube, que conta com uma equipe de cerca de 20 pessoas.
Segundo Hellen Gonçalves, Mestranda em Artes na UFMG e membro do Carcará entre 2014 e 2016, atingir um grande público nunca foi o grande foco. “Durante o tempo que eu participei, se tivesse 30 pessoas na sala (durante as sessões), estava cheia. Normalmente eram mostras com 5 ou 10 pessoas, mas se tivesse 15 já estava ótimo. Se você passar um filme e tiver uma pessoa ali para debater depois contigo alguma questão do filme é melhor que você exibir um filme qualquer para encher a sala e todo mundo ali sair dali ‘descansado’, como um entretenimento puro”.
Conforme dados do IBGE, em 2010 as regiões metropolitanas concentravam cerca de 41% de todo o consumo cultural e a maior parte da população brasileira ainda não possui acesso à cultura. A concepção do Carcará é exatamente trazer este conteúdo cultural de forma gratuita, não só para a comunidade universitária, mas aberto à toda cidade.
“A ideia central é trazer a partir do audiovisual o acesso à cultura, trazer o acesso a questões que estão fora do mercado, assim, né, porque são filmes geralmente que buscam trazer uma discussão importante, algum outro ponto de vista que, não intencionalmente, provoca essa discussão e isso gera um debate frutífero.”
Warley Davidson, estudante de Ciências Sociais e membro do cineclube
Para Cássio, o Carcará sempre teve públicos fiéis e específicos para cada tipo de mostra e seus temas sempre se relacionaram com os grandes festivais de cinema e com o gosto específico de cada membro do projeto naquele período. O cineclube também explora mostras que desvirtuam ou contestam o sentido de determinado tema. Temáticas como Amor e o Dia das Mães, por exemplo, já foram utilizadas trazendo produções que apontam para uma visão totalmente contrária ao esperado sobre o assunto.
A divulgação é feita principalmente nas redes sociais do projeto e por meio de cartazes colados dentro da UFV e nas ruas da cidade. Apesar do contraste expressivo entre o público do cineclube e do cinema local, comparado a outros projetos similares, a nível local e mesmo nacional, a divulgação tem se mostrado efetiva com o aumento do número de assinaturas e cursos registrados na lista de presença das mostras.
Ao final da sessão de Cidade dos Sonhos (Mulholland Drive) uma pessoa comenta que não conseguiu entender nada do filme e deixa a sala desapontada, mas um grupo considerável fica para uma discussão acalorada sobre a obra e outros filmes do diretor David Lynch.
Parece haver público e espaço para todo tipo de produção cinematográfica em Viçosa…
Matéria original escrita para a Revista PH Rolfs
Excelente matéria !