A escola para pessoas com deficiências: um panorama nacional de acessibilidade e inclusão
Uma pesquisa obtida pelo portal de dados do IBGE indica que escolas ainda possuem déficit em infraestruturas de acessibilidade adequadas para alunos com necessidades especiais.
A equipe de jornalistas do Curso de Comunicação da Universidade Federal de Viçosa (UFV) teve acesso ao banco de dados da pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e constatou que 846 escolas entrevistadas declararam possuir alunos com deficiência ou com transtorno global de desenvolvimento, entretanto, não possuem estrutura que assegura acessibilidade a alunos com necessidades especiais.
Estes dados fazem parte da Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (PeNSE), realizada em 2015, e fornece informações sobre as características do ambiente escolar, incluindo elementos relacionados à infraestrutura disponível para a acessibilidade adotadas pelas escolas. Os cadastros utilizados para a seleção das amostras pesquisadas foram formados pelas escolas com turmas de ensino infantil, fundamental e ensino médio, listadas pelo Censo Escolar 2013, gerado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, do Ministério da Educação – INEP/MEC.
A pesquisa entrevistou 3.040 escolas do Brasil, da rede pública e privada, e identificou que 88,7% das instituições possuem pessoas com deficiência (PCDs), mas apenas 66,9% declararam possuir estruturas que assegurem acessibilidade para alunos com necessidades especiais. É neste cenário desigual que os dados revelam que 31,4% das escolas com alunos PCD não possuem elementos estruturais que forneçam o mínimo de acessibilidade.
Para além disso, 1.007 escolas entrevistadas declararam não possuir estruturas de acessibilidade, sendo que 84% destas escolas já possuem PCDs, e os 16% restantes não estão preparadas para receber uma pessoa com deficiência.
Diante deste contexto, como seria possível, então, aprender de forma satisfatória e conviver em uma realidade na qual o ensino e as oportunidades são tão desiguais?
Pedro Yuri, graduando em Ciências Exatas, compartilha um pouco dos seus 24 anos de experiência como um estudante surdo convivendo em escolas públicas. Ele relata que aprendeu a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) como sua língua materna e teve o Português como sua segunda língua e, de acordo com o estudante, ter aprendido libras inicialmente não o prejudicou em nada, pois assim foi capaz de emergir na comunicação e expressão de identidade da cultura surda.
“Foram muitas barreiras para aprender na sala de aula por falta de acessibilidade na educação. Com a lei n° 10.436/2002 oficialmente lançada, as escolas reconheceram a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS). Mas, o sistema de estrutura na educação demorou para se adaptar para fornecer um ambiente acessível nas escolas. Na minha escola tinha o AEE (Atendimento Educacional Especializado), com tradutores/intérpretes de Libras, mas na realidade acho que ainda está faltando muita informação, conhecimento, conteúdo, metodologia e muitos mais.”, declara Pedro Yuri. “Acredito que não sou o único surdo prejudicado. A maioria da comunidade surda no Brasil sofre prejuízos pela aprendizagem das escolas inclusivas. Isso porque as escolas públicas inclusivas não são verdadeiramente inclusivas e contribuem para um papel ideológico de exclusão e segregação para estudantes surdos. Todos já viram um lugar inclusivo no qual todos os colegas não sabem libras e não conseguem se comunicar com pessoas surdas. Então isso é fato!”, finaliza.
Pedro Yuri, 24 anos.
Pedro salienta que não conhece muitos relatos de escolas que fornecem acessibilidade necessária e isso, além de ter prejudicado seu aprendizado, também o fez se sentir excluído dos demais estudantes que eram ouvintes.
“Não é 100 % excelente qualidade de ensino. Fiz meu esforço para aprender as disciplinas e extras. Na época não tinha tecnologia, no começo ensino médio e o instituto federal, sendo assim, busquei mais informação na internet. As histórias dos meus amigos surdos são parecidas com a minha, as escolas não estão preparadas para receber o(s) estudante(s) surdo(s). Raramente os professores dedicam esforços tentando ajudar na nossa aprendizagem. E a maioria destes professores não preparam um método específico de ensino para os alunos surdos. Na verdade sinto que somos excluídos dos ouvintes, como o professor e os colegas de sala. Sorte a minha que eu tinha 4 colegas surdos que eram iguais a mim na cultura surda e tínhamos uma comunicação mais confortável”, declara Pedro.
As barreiras aos ambientes e as realizações de tarefas dificultam a locomoção dos PCDs, que ficam privados de acessos e, consequentemente, de sua inclusão social. Este cenário provoca não somente barreiras na locomoção, mas também impacta diretamente no desenvolvimento cognitivo e motor destas pessoas, o que as deixam mais dependente de terceiros para realizar atividades básicas e extremamente necessárias para a formação de uma vida cidadã de qualidade. Isso causa outros fatores que são ainda mais problemáticos, como a evasão escolar e um preconceito que envolve as capacidades do indivíduo reduzidas a sua deficiência. Na prática, o chamado “capacitismo” está ligado à ausência de pessoas com deficiência em diversos setores da sociedade.
Sobrepondo a acessibilidade superficial para alcançar uma real acessibilidade
Durante a apuração da reportagem, foi possível revelar que 66,9% das escolas entrevistadas possuem estrutura que assegura acessibilidade, embora nem todas possuam alunos com deficiência. Entretanto, somente 23,7% delas possuem todos os critérios de acessibilidade descritos na pesquisa. Esses critérios são classificados em: rampas de acesso, interior adequado para locomoção, móveis adequados para alunos com necessidades especiais, e sanitários adequados para alunos com necessidades especiais.
Segundo a Lei N° 10.098, de 19 de Dezembro de 2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, uma escola pública deve ter:
- acesso ao interior do edifício livre de barreiras ou obstáculos que dificultem a acessibilidade dos PCDs;
- caminho acessível que ligue, horizontalmente e verticalmente, todas as dependências e serviços do edifício, entre si e com o exterior;
- um banheiro acessível, distribuindo-se seus equipamentos e acessórios de maneira que possam ser utilizados por pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida.
- vagas reservadas no estacionamento, próximas aos acessos de circulação de pedestres, devidamente sinalizadas, para veículos que transportem pessoas portadoras de deficiência com dificuldade de locomoção permanente.
O que pode-se perceber através dos dados coletados é que, muitas vezes, as escolas são consideradas acessíveis por cumprirem os critérios de acessibilidade descritos por lei. Porém, o conceito de acessibilidade é muito amplo, e, se estamos falando de uma acessibilidade espacial/estrutural, nem todos os critérios que dizem respeito a função de propor a adequação mais pertinente ao ambiente relacionado estão descritos em lei. Portanto, as escolas não só deveriam cumprir a legislação, mas também se importar em entender quais são, realmente, as adequações físicas necessárias para atender e receber alunos com deficiência.
Neste caso apresentado, mesmo as escolas que possuem acessibilidade, muitas só dispõem de rampas de acesso, e em muitos casos são construídas de forma incorreta no edifício. As inúmeras rampas com inclinações incorretas podem acarretar quedas e impossibilitar a circulação de cadeirantes sem o auxílio de outras pessoas. Ter pisos quebrados ou escorregadios, e não possuir banheiros com barras de apoio e com pisos antiderrapantes também podem gerar acidentes graves para quem tem dificuldade de locomoção. Sem contar que os móveis adequados contribuem diretamente para conforto e, consequentemente, foco e melhor aprendizado das pessoas com deficiências.
Galeria de Imagens com Estruturas adequadas
Amanda Santos Somavilla, mediadora de inclusão da Coordenação Regional de Posse na Secretaria Estadual de Educação de Goiás, diz que, atualmente, praticamente todas as escolas públicas recebem recursos do governo federal para adquirirem materiais e ampliar as formas de acesso dos estudantes públicos da educação especial. Para falar de outros tipos de recursos físicos possíveis de serem implementados em escolas, Amanda traz ainda uma realidade do estado de Goiás, o 3° estado no ranking brasileiro com maior percentual de escolas possuem estrutura para assegurar acessibilidade, considerando o número de escolas que declararam ter alunos com deficiência ou transtorno global de desenvolvimento.
“Grande parte das escolas, pelo menos aqui no estado de Goiás, possui Sala de Atendimento Educacional Especializado – AEE, rico em materiais de tecnologia assistiva para serem utilizados com os estudantes.”, diz Amanda.
O cenário regional ainda é um pouco desigual, mas uma constante em todas as regiões do Brasil é que nenhuma delas chega à estimativa de 90%. Portanto, nenhuma unidade da federação possui totalmente a quantidade de escolas acessíveis em relação à demanda de PCDs nas instituições.
Para Rangel Silva Oliveira, professor de Educação Especial e psicopedagogo, a Secretaria de Educação do Estado de Minas Gerais vem desenvolvendo políticas públicas para preparar e adequar as escolas estaduais e municipais para acolher e receber estudantes com deficiências ou com transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades, junto com os demais estudantes da classe regular.
E pensando em como os/as responsáveis por pessoas com deficiência podem acompanhar a inclusão e acessibilidade nas escolas, Rangel explica que as pessoas responsáveis, pelos alunos, têm o direito de fazer o cadastro escolar que garante a oferta da vaga ao futuro estudante em escola regular. Após o cadastro, os e as responsáveis serão orientados pela equipe de AEE (Atendimento Educacional Especializado) da escola, a fim de traçar os recursos de acessibilidade visando o desenvolvimento do estudante público alvo da educação especial.
“Para um atendimento adequado ao estudante, a escola deve elaborar o Plano de Desenvolvimento Individual – PDI, no qual, é fundamentado o processo educacional do estudante, suas capacidades e necessidades educacionais, habilidades e competências já desenvolvidas e as suas necessidades de recursos de acessibilidade. (…)Pode-se dizer que a família é a peça fundamental na participação escolar da criança, ajudando a escola a se organizar recursos de acessibilidade em menor tempo, para oferecer o melhor atendimento possível ao estudante”, continua Rangel.
Amanda Somavilla complementa que o diálogo entre família e a escola é sempre a base fundamental para uma boa inclusão. Os responsáveis também podem perguntar quais os serviços que a escola irá oferecer, se possuem Sala de AEE (Atendimento Educacional Especializado), por exemplo, e também podem exigir que as atividades e as avaliações sejam flexibilizadas e adaptadas.
Diversidade estudantil e suas demandas
Segundo dados de 2019 do IBGE, existem mais de 45 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência no Brasil. Isso revela um cenário em que quase 25% da população brasileira possui uma demanda diferente, com sua pluralidade enorme de corpos e deficiências. Deste modo, levando em conta a diversidade desses indivíduos, é importante ter atenção também a variedade de acessibilidade que se faz necessária para atender essas pessoas.
A Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (PeNSE) trouxe perguntas relacionadas a acessibilidade e presença de alunos com deficiência nas respectivas escolas entrevistadas, mas, além disso, o questionário sinalizou que as escolas deveriam informar quais os tipos de deficiência que seus alunos possuíam. As questões englobam 8 tipos de deficiência (espectro do autismo, intelectual, física, auditiva, visual, múltipla, mental e comportamental, e outras deficiências). Entretanto, quando analisamos as perguntas sobre acessibilidade e inclusão, é possível perceber que não foi levado em conta as 8 categorias de PcDs e seus devidos suportes. Em vista disso, a pesquisa se apoia em questionar apenas sobre as acessibilidade estruturais, sem explorar outras formas de assistência que atenderiam todas categorias de deficiências propostas.
As políticas de inclusão escolar vão além das estruturas físicas, e este é um conceito que está relacionado com o acesso e permanência dos cidadãos nas escolas. Não é a deficiência que impede ou limita a participação da pessoa com deficiência, mas as barreiras que os ambientes têm. De acordo com números do Unicef para América Latina, 70% das crianças com deficiência não frequentam escolas. A ONU mostra ainda que enquanto 60% dessas crianças completam a escola primária nos países desenvolvidos, apenas 45% (meninos) e 32% (meninas) concluem a etapa em países em desenvolvimento. Estatísticas como esta mostram e colocam em dúvida a noção da escola como espaço inclusivo democrático para a formação cidadã.
Infelizmente, não é só a Pesquisa de Saúde Escolar que desconsidera outras formas de acessibilidade quando se trata da inclusão escolar. Para Rangel, um dos maiores desafios da escola de hoje está ligado à formação dos professores. Isso porque muitos não possuem conhecimentos técnicos para trabalhar com alunos público-alvo da educação especial e faltam muitos investimentos para reconstruir as práticas educacionais, que possibilitariam reorientar, assim, os processos exercidos na formação dos professores e nas dedicações sobre o assunto por parte das gestões escolares.
As escolas públicas da rede estadual de ensino normalmente ofertam a Educação Especial, mas este é um serviço complementar à educação regular e que não substitui as aulas que são ministradas pelos professores regulares que geralmente não são especializados em Educação Especial.
“Uma das nossas lutas, enquanto defensores da Educação Inclusiva é justamente quebrar esse paradigma de que o estudante com necessidade especial é aluno de “A” ou “B”. Precisamos pensar que esse estudante é, antes de tudo, aluno da escola, portanto é responsabilidade de todos, assim como os demais. Talvez por isso, ainda temos tanta dificuldade em implantar a educação inclusiva nas escolas.”, comenta Amanda.
As políticas de inclusão para alunos com deficiência têm se constituído como um desafio para as instituições de ensino e as infraestruturas físicas obrigatórias por lei, juntamente com outros subsídios materiais e projetos inclusivos – como o uso de equipamentos de tecnologia assistiva, viabilização de um comitê de diversidade e inclusão, capacitação e qualificação adequada de professores, disposição de grade curricular com ensino de libras a todos os alunos, e outros – podem influenciar no desenvolvimento cognitivo e motor e no aprendizado das pessoas com deficiência, além de instituir um ambiente de convívio social menos desigual. Portanto, é necessário a participação e ação de diversos atores e esferas sociais em busca de uma real educação inclusiva e democrática.
Reportagem por Francielle Barros, Daniel Nunes e Renata Ramiro
O banco de dados pode ser acessado aqui.