A expansão do Blockchain, ou como aprendi a amar as criptomoedas.
Reportagem mostra a trajetória das duas principais criptomoedas, Ethereum e Bitcoin, e como sua valorização exponencial chama atenção em relação ao aumento do consumo energético.
SÓ MINERAÇÃO E NENHUM DIVERTIMENTO DEIXAM JACK ABORRECIDO
Se a pandemia abalou a economia de nações, o mesmo não pode ser dito para as criptomoedas que desde 2020 vêm se valorizando cada vez mais.
Depois que a China, país que chegou a representar 75% de toda a mineração de criptomoedas mundial, decidiu banir transações envolvendo moedas digitais, um clima de pânico se instaurou e as ações de diversas moedas caíram. Mas o baque foi momentâneo e, até a conclusão desta reportagem, alcançaram patamares históricos: 1 BTC (Um Bitcoin) na cotação atual vale cerca de 60.000 dólares americanos; enquanto 1 ETH (Um Ethereum) vale cerca de 4.000 dólares.
As duas maiores criptomoedas sofreram uma alta em 2021 muito semelhante a 2017, ano em que tiveram a primeira disparada de valor.
A valorização exponencial torna a atividade de mineração (nome dado ao processo de obtenção de novas moedas), muito lucrativa. E com isso, os gastos energéticos também sobem intensamente.
O NOVO OESTE
A Década de 2010 foi marcada por diversos avanços tecnológicos e novas formas de interação entre o mundo e a internet, especialmente por conta da telefonia móvel e a computação cada vez mais potente. Um desses avanços foi na tecnologia das moedas digitais, as criptomoedas.
Inicialmente sofrendo descrédito e sendo tratadas como algo de nicho, as criptomoedas ganharam notoriedade graças ao crescimento e aceitação do Bitcoin. A moeda, para honrar seus fiéis defensores, tem uma saga quase bíblica.
Lançado em 2009 como software livre, a ideia do Bitcoin é ser uma moeda livre e descentralizada, não atrelada a nenhum estado ou instituição. Uma moeda soberana de história curiosa, pois ninguém sabe quem é a pessoa por trás do código original, conhecido apenas pelo pseudônimo Satoshi Nakamoto. Assim como ninguém conhece a real identidade de Jack, o Estripador ou do Zodíaco, só restam as especulações.
Apesar do ceticismo quase geral, seu nascimento foi recebido também com entusiasmo. Ano após ano o Bitcoin foi construindo uma base de usuários e investidores, acarretando na crescente valorização da moeda.
O ano de 2017 foi emblemático para o BTC por diversas razões. A comunidade viveu um racha entre seus mineradores mais influentes acerca de decisões quanto a ajustes no código do Bitcoin – nesse momento queria-se provar que seria um protocolo resiliente à mudanças – o que levou ao surgimento de um “fork” (programas novos, criados em cima de algum código já existente) que disputava a posição do Bitcoin.
O estudante de direito da PUC-MG Gustavo Miranda, que estuda em seu TCC a questão do direito monetário, em especial o Bitcoin, explica:
O fim da história? Nós já contamos: o Bitcoin resistiu à triagem e seguiu rumo à valorização.
ETHEREUM, NEM TÃO ETÉREO
Ao longo dessa década várias criptomoedas tiveram seus altos e baixos, e uma que anda vivendo no topo, ao menos nos últimos tempos, é Ethereum, a segunda criptomoeda de maior valor no mundo.
Concebida em 2013 e lançada em meados de 2015, é uma moeda de reputação camaleônica. Até então com pouca credibilidade e valor, em 2017 a moeda viveu uma valorização enorme, somente para despencar, até que viu isso mudar novamente quando saltou de cerca de 100 dólares em janeiro de 2020, até cerca de 4.000 dólares em outubro de 2021.
O aumento na reputação da Ethereum garantiu acordos com instituições financeiras tradicionais, como JP Morgan, Mastercard e UBS. Esse crescimento exponencial se deve muito ao fato de Ethereum ter se tornado a moeda preponderante no circuito dos NFTs.
NFTs, ou Tokens Não-Fungíveis, são criptoativos colecionáveis exclusivos que já existem desde 2012 e buscam se aproximar da ideia que cerca os grandes leilões de arte no mundo, só que em formato digital. Os NFTs se tornaram uma verdadeira febre em 2021.
VAI FUNDO, STEVE!
Antes de entrar no tópico de consumo energético, é importante ter uma noção de como funciona essa ‘mineração’ de criptomoedas.
Tradicionalmente, as nações vinculam seus sistemas monetários ao Banco Central, autoridade que determina a moeda e sua utilização obrigatória no país.
Diferentemente, as criptomoedas se baseiam em dados rastreáveis, tornando-se descentralizada por meio de tokens públicos. Tudo isso acontece por meio de uma tecnologia chamada Blockchain.
Blockchain essencialmente é uma rede composta por elementos chamados “blocos” – conjuntos de dados – que são conectados por meio do uso de criptografia. Por serem únicos, eles podem servir para diversas funções, incluindo autenticar NFTs e transações de criptomoedas.
Para facilitar o entendimento, imagine essa “mineração” como a montagem de um quebra-cabeça, onde os computadores procuram cada peça para no fim montar um token. É necessário uma capacidade de processamento muito grande para rodar o programa de mineração, o “client”.
À medida que a moeda valoriza, o seu quebra-cabeça fica mais complexo, mais peças vão chegando até a mesa. No caso do Bitcoin, que vale cerca de 60.000 dólares, dá pra imaginar a dificuldade que é montar esse quebra-cabeças.
O resultado são as formações de “farms”, ou “rigs”, estruturas independentes e em certo ponto caseiras, de máquinas que ficam 24 horas por dia processando o client da moeda digital, em busca das peças.
Para otimizar a mineração e aumentar a rentabilidade, muitos mineradores se unem no que chamam de mining pools, entidades interdependentes que utilizam do mesmo “client”. A ideia é a união de forças, mais cabeças tentando decifrar o mesmo quebra-cabeça aumenta a velocidade de resolução do mesmo.
A BANDEIRA VERMELHA DO BRASIL PODE FREAR A MINERAÇÃO EM TERRAS TUPINIQUINS
Enquanto o resto do mundo estuda restrições governamentais para frear o consumo energético provocado pelos mineradores, no Brasil a responsável por isso vem sendo a própria natureza: a crise hídrica enfrentada pelo país tornou pequenas farms inviáveis durante a maior parte de 2021.
Lucas ‘Dj Lukete’ Fialho, que montou uma Rig com três placas RTX 3060, sistema de refrigeração e outros componentes – um investimento de cerca de $20.000 reais – viu sua margem de lucro despencar após a instauração das bandeiras tarifárias na conta de luz, aliada à instabilidade do mercado.
QUANTAS ÁRVORES FAZEM UMA MOEDA VIRTUAL?
Nos anos 80 o Brasil testemunhou a febre de Serra Pelada, uma corrida pelo ouro que arrastou levas e mais levas de pessoas para uma pequena vila no interior do Pará. O lugar dos sonhos, onde pepitas preciosas poderiam ser encontradas com facilidade ao simplesmente cavar a terra.
Por um tempo, é claro…
Com cada vez mais pessoas buscando ouro, era necessário cavar mais profundamente e a dificuldade de se encontrar o mineral também aumentou.
É a mesma coisa com as criptomoedas: no começo, a mineração modesta e simples rendia muito mais Bitcoins, por exemplo, mas que ainda não valiam tanto. Com a ascensão do valor da moeda, mais pessoas se lançaram na caçada, e a dificuldade de se encontrar 1 BTC aumentou significativamente.
Logo, os pequenos mineiros vão dando lugar aos grandes centros de mineração, com cada vez mais máquinas, que necessitam de energia, e refrigeração, e energia para a refrigeração, e pessoas, e energia para as pessoas…
Devido à sua natureza descentralizada, é difícil ter um mapa preciso sobre as atividades de mineração, e com isso estudos divergem muito sobre as emissões de carbono geradas pela atividade. Existem pools que se localizam em regiões com fornecimento de energia com baixa emissão de carbono ou que aproveitam energia que ia ser desperdiçada. No entanto, também existem aquelas que se concentram em regiões energizadas à base de carvão, com alta emissão de CO2, como foi no caso da China.
Um artigo publicado na revista Nature Communications mostra como a mineração de bitcoin figurou no top 10 das indústrias que mais consomem energia no país asiatico. Alegando que a mineração de criptomoedas estava prejudicando a meta de redução de carbono, o governo chinês baniu todas as transações com uso de criptomoedas, e com isso a mineração em território chinês caiu para patamares essencialmente nulos.
No entanto, ainda assim a China decidiu implantar sua própria moeda digital, e já tem realizado testes práticos do uso do Yuan digital no dia a dia, em folhas de pagamento, cupons e eventos especiais.
O debate sobre o gasto energético em decorrência de mineração de criptomoedas é importante, mas existe muito sensacionalismo em cima da questão. O próprio Elon Musk, um dos principais críticos do Bitcoin, também é muito elogioso ao sistema blockchain da moeda.
Apesar de ter denunciado o potencial ameaçador da mineração de Bitcoins ao meio ambiente – o que faz sentido, tendo em vista os veículos elétricos da sua empresa, a Tesla – Musk também demonstra apoio recorrente a moedas periféricas, rivais do BTC.
A verdade é que não é mais possível ignorar as criptomoedas.
O valor indiscutível da tecnologia blockchain e a forma como pode afetar economias, o meio ambiente e até a maneira que consumimos arte, despertam profundas contradições e questionamentos ainda sem respostas.
Metodologia
Em relação ao consumo de energia, a reportagem utilizou como base os bancos de dados da Cambridge Bitcoin Electricity Consumption Index , que conduziu um estudo através de questionários enviados para diversas mining pools, estimando o consumo energético de mineração de Bitcoins.
A estimativa foi feita considerando o pior cenário, em que o equipamento de mineração é do que mais consome energia, e o melhor cenário, com equipamentos mais otimizados.
O outro banco de dados pertence ao Digiconomist, cujo projeto Ethereum Energy Consumption Index usa a mesma metodologia dos estudos de Cambridge.
Ambos os bancos de dados trabalhavam com estimativas de gasto anual, com base no valor do dia. A reportagem pegou esses valores e calculou a média de cada semestre.
No caso do Bitcoin, os dados vêm desde 2010, enquanto o Ethereum tem registro desde 2015.
Já para a valorização monetária, trabalhamos com o banco de dados do site Crypto Compare, que tem registro constante desde o lançamento de ambas as moedas.
Link para as planilhas aqui.
Reportagem por:
João Vitor Moraes, Júlio Cleber Rocha, Luiz Augusto Basílio, Marco Antônio Vieira