AIDS em Viçosa: desafios, avanços e comparativos com o Brasil

AIDS em Viçosa: desafios, avanços e comparativos com o Brasil

Especialistas analisam os dados e os obstáculos no combate à AIDS na cidade universitária e no país.

A AIDS (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) representa um dos maiores desafios para a saúde pessoal desde o final do século XX, impactando não só a saúde pessoal, mas também a economia, a sociedade e a política de diversos países. Essa doença ocorre em fases avançadas da contaminação pelo vírus da HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana), no qual é destruído as células de proteção ao corpo, tornando-o mais suscetível a enfermidades, desde um simples resfriado até infecções mais sérias como câncer. O médico Guilherme Pagotto, doutor em medicina intensiva e em emergência, é formado pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), e explica melhor as diferenças e similaridades entre HIV e AIDS: 

“Nem todos os pacientes infectados por HIV têm AIDS. Então um paciente pode estar infectado pelo HIV, mas ainda não ter adquirido uma imunodeficiência ou imunocomprometimento. A infecção pelo vírus do HIV vai ter um tropismo pela célula de defesa, principalmente por células de defesa bcb 4, macrófagos, e são células importantes para a nossa memória imunológica. E o fato da destruição dessas células acontece ao longo do tempo da infecção, que são responsáveis pela imunodepressão. Então, o paciente com AIDS tem uma infecção já avançada pelo vírus HIV.”

A propagação do HIV e, consequentemente, da AIDS, ocorre das seguintes maneiras: 

  • Sexo sem camisinha;
  • Transfusão de sangue contaminado;
  • Uso de seringa por mais de uma pessoa;
  • Instrumentos perfurantes não esterilizados.
  • Transmissão vertical, ou seja, aquela que ocorre de mãe para filho durante a gestação, parto e a amamentação;

Antigamente, o diagnóstico de AIDS era considerado uma sentença de morte. Hoje em dia, é viável ter soropositividade (infectado pelo HIV) e ter uma vida com qualidade, seguindo as orientações médicas e utilizando os medicamentos prescritos adequadamente. A detecção do HIV é realizada através da coleta de sangue ou por fluido oral. No Brasil, existem testes laboratoriais e testes rápidos que identificam anticorpos contra o HIV em aproximadamente 30 minutos, conduzidas sem custos pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

A cidade de Viçosa, na Zona da Mata de Minas Gerais, é conhecida principalmente pela concentração de estudantes através da UFV, e conta com uma população de quase 80 mil habitantes segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de 2022. Um fator que também chama a atenção é a totalidade de contextos de AIDS notificados pela SINAN (Sistema de Informação de Agravos de Notificação), somando somente 14 casos no município. Esse dado é destacado quando comparado com localidades próximas, como Rio Pomba e Ponte Nova, mostrado na tabela abaixo segundo o Ministério da Saúde. 

Cidade% DiagnósticoCasosPopulação
Juiz de Fora0,49%2.629540.756
Ubá0,19%220116.635
Manhuaçu0,11%10795.935
Ponte Nova0,11%6659.789
Barbacena0,07%98138.204
Muriaé0,06%68110.043
Leopoldina0,05%2552.640
Cataguases0,04%3074.171
Santos Dumont0,04%1744.140
Viçosa0,02%1479.863
Rio Pomba0,02%317.288
Espera Feliz0,01%323.942
Tocantins0,01%216.667
São João Nepomuceno0,00%024.970
Dados referentes ao período 2010-2023.

Um dos maiores desafios enfrentados é a sua identificação, visto que podem demorar até 10 anos, sendo ela assintomática nesse tempo. Apesar do diagnóstico disponível de forma gratuita, depende do conhecimento do paciente sobre educação sexual, que muitas vezes é precária. 

Panorama da Aids no Brasil

Desde o primeiro caso registrado em 1980 até os dias atuais, a epidemia de Aids no Brasil passou por diferentes fases, refletindo mudanças no perfil da doença, nas políticas públicas e no comportamento da população. Um levantamento de dados históricos revela um cenário marcado por crescimento acelerado nas primeiras décadas, desaceleração a partir dos anos 2000 e uma trajetória de queda nos últimos anos, com nuances regionais e demográficas que ajudam a contar a história dessa epidemia no país.

Crescimento e Desaceleração: A Trajetória dos Diagnósticos

A partir dos primeiros casos de Aids registrados em 1980, o número de diagnósticos iniciou uma trajetória de crescimento exponencial, atingindo 1.121 casos em 1986 e ultrapassando a marca de 10 mil diagnósticos anuais em 1991. O pico ocorreu em 2013, com 43.666 casos registrados. A partir de então, os números começaram a cair, chegando a 16.281 diagnósticos em 2023. 

Heterossexuais como Maioria

Embora, no início da epidemia, os homossexuais tenham sido o grupo mais afetado em números absolutos, a partir da década de 1990, os heterossexuais passaram a representar a maioria dos casos, com 68,3% dos diagnósticos.

Os dados são um contraponto às percepções públicas construídas nos anos 80 e 90. Inicialmente, a Aids era considerada uma doença de homossexuais, sendo denominada de forma preconceituosa como “peste gay” e doença dos “Doença dos 5 H’s”, em referência a: homossexuais, hemofílicos, hookers (prostitutas), haitianos e usuários de heroína. O professor e pesquisador Robson Evangelista, em entrevista, destacou que a AIDS já afetava pessoas negras, de baixa renda, crianças e outras populações em diferentes continentes. No entanto, a questão ganhou visibilidade quando passou a atingir pessoas gays, o que levou à criação de um estereótipo amplamente propagado na época.

Veja entrevista completa: Entrevista completa com Robson Filho

Em relação ao gênero, os homens continuam sendo a maioria entre os diagnosticados, com 743.596 casos, enquanto as mulheres somam 380.346 diagnósticos. Apesar da diferença, os números femininos refletem a crescente vulnerabilidade das mulheres à infecção, especialmente em contextos de desigualdade de gênero. Além disso, Robson Evangelista ressaltou que, embora a maioria dos casos envolva homens, as mulheres apresentam um número significativo de diagnósticos devido à transmissão por seus parceiros. A maior parte das infecções ocorrem em mulheres heterossexuais, monogâmicas e em relacionamentos estáveis, que acabam sendo infectadas por seus companheiros.

Diferenças Regionais

A distribuição geográfica dos diagnósticos também apresenta variações significativas. A região Sudeste, que concentrou a maior parte dos casos nas décadas de 1980 e 1990, viu seus números caírem constantemente a partir de 1997. Enquanto isso, as demais regiões apresentaram crescimento, especialmente o Norte e o Nordeste. Em 2023, o Sudeste registrou 2.617 diagnósticos, enquanto o Norte somou 842, o Nordeste 1.784, o Sul 1.366 e o Centro-Oeste 599. 

Impacto da Pandemia de Covid-19

A queda acentuada nos diagnósticos em 2020, com 30.562 casos, pode estar associada a outra doença: a pandemia de Covid-19,que pode ter impactado a realização de testes e o acesso aos serviços de saúde. Nos anos seguintes, observa-se um novo aumento no número de casos, atingindo 36.753 diagnósticos em 2022, antes de cair novamente em 2023.

Ademais, Robson Evangelista apontou que, atualmente, os principais desafios do Brasil na prevenção e no tratamento da AIDS são a discriminação e o acesso limitado à informação. 

“Ainda compartilhamos muitos imaginários errôneos sobre o que é o HIV e o que é a AIDS, e isso impacta diretamente na epidemia. As pessoas deixam de se testar, de se prevenir e de se tratar devido a essas ideias equivocadas que circulam na sociedade”, afirmou Evangelista.

Apesar disso, o pesquisador destacou que o Brasil possui medicamentos cada vez mais eficazes e modernos disponíveis gratuitamente pelo SUS, além de um sistema de saúde e um programa de combate à AIDS que são referência mundial. No entanto, ele ressaltou que, devido ao “tabu” em torno da doença, o país ainda enfrenta dificuldades para mobilizar a população, e para fazer com que as pessoas se previnam e busquem o tratamento adequado.

Reportagem produzida por: Breno Guimarães (89540); Iara Luna (113015), Luisa Souza (113023) e Milena Miranda (113016).

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