Empresas escondem intoxicações de trabalhadores rurais por agrotóxico
A reportagem trata da omissão dos casos de intoxicação por agrotóxico que atinge funcionários com e sem carteira assinada e trabalhadores rurais autônomos. Esta reportagem é de 21 de setembro de 2020 e faz parte do projeto Por Trás do Alimento, uma parceria da Agência Pública e Repórter Brasil para investigar o uso de Agrotóxicos no Brasil.
Tema e abordagem
A matéria faz um levantamento inédito que revela que empresas não notificam casos com carteira assinada intoxicados por pesticida, e como outros trabalhadores também são vítimas do uso do veneno. A matéria utiliza uma metodologia de divisão de temas/seções (Intoxicação por agrotóxicos no ambiente de trabalho; Família luta há mais de uma década por indenização; Os trabalhadores mais intoxicados são justamente os com menos direitos; Os motivos da subnotificação; Agricultores familiares são vítimas) para explicar cada assunto e ilustrar a matéria com gráficos. Os dados são apresentados em forma de texto (números, porcentagens, equivalências) e infográficos e a reportagem deixa claro de onde estão vindo os dados, sempre referenciando-os e salientando as angulações e recortes que foram utilizados para analisar as bases [de dados] que foram selecionadas para a construção da reportagem.
Reportagem produzida por: Larissa Fernandes, Bruno Fonseca, Thays Lavor e Pedro Grigori.
Base de dados utilizadas
- Base de dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) do Ministério da Saúde, de 2010 a 2019, obtidos via lei de acesso à informação;
- Fichas dos 7.163 casos investigados com 86 campos preenchidos a mão pelos médicos;
- Dados da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) enviada ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Outras fontes de informação e dados utilizada:
- Confederação Nacional dos Trabalhadores Assalariados Rurais (Contar);
- Carlos Eduardo Silva, assessor da Contar;
- Gabriel Bezerra, presidente da Contar;
- Gerlene Silva dos Santos, moradora do interior do Ceará que perdeu o marido para uma doença no fígado causada pela exposição aos agrotóxicos usados no cultivo de abacaxis;
- Núcleo Tramas, formado por pesquisadores da Universidade Federal do Ceará;
- Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (PNAD);
- Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia;
- Organização Mundial da Saúde (OMS);
- Margaret Matos de Carvalho, promotora do Ministério Público do Trabalho do Paraná (estado que mais registrou intoxicações na última década, e o segundo com mais casos no ambiente de trabalho) ;
- Juliana Cequinel, bióloga da Divisão de Vigilância de Zoonoses e Intoxicações Exógenas da Secretaria de Saúde do Paraná;
- Claudio Silva, advogado;
- Dados sobre número de empregados e receita da Fresh Del Monte Produce;
- Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA).
Perguntas respondidas com a apuração
As principais perguntas respondidas pela reportagem é qual o número de trabalhadores infectados por agrotóxicos; quantas desses infectados faleceram; quantos casos foram relatados ao INSS e quantos realmente receberam o auxílio doença. Essas informações foram importantes para problematizar o uso de agrotóxicos e mostrar também a quantidade de pessoas que foram infectadas que não possuíam carteira assinada e portanto, não poderiam ter acesso ao auxílio do governo federal. Além dos dados, as fontes também trazem outras informações que contribuem com o objetivo principal da reportagem.
Perguntas respondidas pelas bases de dados:
- número de trabalhadores infectados por agrotóxicos;
- número de óbitos;
- porcentagem e número de casos relatados através da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) a cada ano;
- número e equivalência de quantas pessoas receberam auxílio-doença a cada ano;
- porcentagem de vítimas sem carteira assinada;
- quantidade de trabalhadores informais, autônomos, temporários, não registrados, e outros (intoxicações por regime de trabalho);
- número de funcionários intoxicados por cada via de contaminação;
- número de intoxicações por atividade que os trabalhadores desempenhavam;
- quais tipos de lavouras onde ocorreram as intoxicações;
- número de trabalhadores da agricultura familiar infectados;
- número de casos em que a vítima atuante na agricultura familiar era menor de idade.
Perguntas respondidas pelas fontes de informação:
- índice de informalidade de trabalhadores rurais por estados do Brasil;
- estimativa de infectados por década no Brasil.
Construção da matéria
1 – Intoxicação por agrotóxicos no ambiente de trabalho
Analisando os dados de 9 anos (2010 a 2019) do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) do Ministério da Saúde, a Agência Pública constatou que 7.163 trabalhadores rurais foram internados devido a intoxicação por agrotóxico utilizado no trabalho, mas apenas 787 trabalhadores enviaram a comunicação de acidente de trabalho (CAT) ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Ou seja, apenas 11% das intoxicações foram informadas ao governo e desses 787 casos confirmados, apenas 200 receberam auxílio-doença (1 a cada 35 pessoas) ou aposentadoria por invalidez.
Dentre as pessoas que não receberam o auxílio-doença, 67% dos casos ocorreram com funcionários que não tinham carteira assinada. Ainda dentro desta quantidade de trabalhadores infectados 58 vieram a óbito, porém nenhuma dessas mortes constam nos registros do INSS.
2 – Família luta há mais de uma década por indenização
Nessa seção, a Pública conta a história de Gerlene Silva dos Santos, moradora do interior do Ceará, que decidiu ir à Justiça do Trabalho após perder o marido para uma doença no fígado causada pela exposição aos agrotóxicos usados no cultivo de abacaxis. A escolha da narrativa é feita pois os trabalhadores, muitas vezes, não denunciam as empresas ou comunicam os casos ao INSS com medo de não serem contratados para trabalhar novamente. Isso só contribui para o grande número de intoxicações que não são registradas no INSS.
3 – Os trabalhadores mais intoxicados são justamente os com menos direitos
Analisando os registros dos perfis dos trabalhadores infectados (86 campos preenchidos a mão pelos médicos), a reportagem conseguiu mapear um perfil dos contaminados a partir de: via de contaminação, atividade que o trabalhador desempenhava e o regime de trabalho. Concluindo que “O trabalhador rural que mais sofreu intoxicações por agrotóxicos foi o responsável pela pulverização dos venenos, com quase metade das notificações. […] Mas é possível saber que 53% das intoxicações ocorreram por via respiratória […]. O problema ocorreu em lavouras de café, fumo, soja, milho e cana de açúcar. Entre as vítimas, 2.331 trabalhadores tinham carteira assinada. Dentro dos 67% informais, encontram-se 2.251 profissionais autônomos, 885 não registrados e 357 trabalhadores temporários”.
4 – Os motivos da subnotificação
Segundo a Pública, a dificuldade de estabelecer o nexo causal entre os sintomas do trabalhador e a contaminação por agrotóxico é o principal motivo das subnotificações acontecerem. Na maior parte dos casos, não há o entendimento de como o agrotóxico é perigoso, já que – na maioria das vezes – a cooperativa que vende o pesticida não informa sobre os riscos do produto.
A problemática da identificação dos sintomas também aparece dentro dos hospitais do SUS, que costumam atender os pacientes de forma rápida e não seguem o protocolo que deveria identificar alterações no organismo da pessoa e poderia levar a identificação dos sintomas iniciais da intoxicação. Assim, a falta de registros dos casos também acontece pois “Os trabalhadores muitas vezes não têm instrução para relacionarem sozinhos os sintomas com suas atividades, quem dirá saber preencher sozinho um comunicado de acidente de trabalho”.
5 – Agricultores familiares são vítimas
O encerramento da reportagem questiona medidas de combate e prevenção ao envenenamento dos trabalhadores rurais, já que não só funcionários de empresas sofrem com as consequências do agrotóxico. Neste caso, a questão dos agricultores familiares é mais grave que a dos empregados formais, pois além de não receberem auxílio do governo, eles não recebem capacitação e não tem equipamentos de proteção sofisticados, sendo sujeitos mais facilmente a intoxicação.
Por Renata Ramiro e Francielle Barros
Empresas escondem intoxicações de trabalhadores rurais por agrotóxico
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