Nuances do suicídio no Brasil: um recorte de gênero e idade

Nuances do suicídio no Brasil: um recorte de gênero e idade

Aviso: Esta matéria pode conter gatilhos referentes ao tema do suicídio.

A Agência Câmara de Notícias estima que no Brasil, a cada 45 minutos, acontece uma morte por suicídio e que para cada morte, temos outras 20 tentativas. Números preocupantes que são caracterizados necessariamente pela subnotificação, o tabu e tragédia que afeta famílias, comunidades e países inteiros com efeitos duradouros para todos aqueles que ficam.

Usando os dados abertos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para “Taxa de mortalidade por suicídio (Óbitos por 100 mil habitantes)”, selecionamos os números gerais do Brasil nos últimos cinco anos em que a pesquisa foi feita (de 2015 a 2019). O objetivo da análise é descobrir como se dão os suicídios no Brasil por faixa etária e pela divisão entre os gêneros.

Se pedirmos para que você imagine uma pessoa com tendências suicidas, que figura te vem à mente? Mulher, homem, idoso, jovem, adolescente, criança? Por ser conhecida como uma fase de mudanças, conflitos e dúvidas, a adolescência e juventude costumam ter mais protagonismo nos filmes, séries, músicas e campanhas que abordem o suicídio.

A negligência acerca do suicídio de idosos

Embora o tema seja protagonizado na mídia por adolescentes e jovens, a taxa de suicídio entre a população idosa é alta. Entre 2015 e 2019, na faixa etária dos mais de 60 anos, houve 17,2 suicídios a cada 100 mil habitantes – sendo 84% deles cometidos por homens.

No ano de 2019, ano com mais ocorrências no período analisado, a taxa de mortes a cada 100 mil habitantes, na faixa dos 50 a 54 anos, chegou a 8,9.

Para entender melhor sobre a questão, conversamos com a psicóloga clínica Vanessa Lacerda. A profissional é graduada pelo Centro Universitário Nobre, em Feira de Santana (BA) e cursa, atualmente, a formação em Terapia Cognitivo Comportamental pelo Instituto Wainer.  Além disso, Vanessa tem experiência em psicoterapia cognitiva e comportamental, lidando com adolescentes que se automutilam e têm ideações suicidas.

Segundo a psicóloga, há uma séria negligência acerca do suicídio entre idosos. Vanessa trabalhou por um ano no Centro de Convivência Isa e Almeirinda, que fica em Feira de Santana (BA), onde são oferecidas, de maneira gratuita, atividades de aprendizado e entretenimento para a população da terceira idade. 

Ao pedir para que fizessem um desenho livre, entre os diversos bebês, crianças e bonecas desenhadas, uma senhora desenhou uma flor. Segundo Vanessa, a flor é uma figura simbólica, pois traz consigo o caráter das fases de um ser – nascer, crescer, murchar e morrer. A terceira idade está muito relacionada com o “fim da vida”, trazendo muitos questionamentos sobre ser um fardo para família, além da questão de passar por diversos lutos de amigos e familiares.

Frase dita pela senhora no exemplo da psicóloga Vanessa Lacerda.

Vanessa aponta que outro grande problema na relação que a sociedade tem com a população idosa, é a forma de tratamento. Muitas pessoas começam a ser tratadas como crianças novamente depois de chegar a uma certa idade. 

Retirada da autonomia, descrédito das opiniões e diversos outros comportamentos podem contribuir para a piora de um quadro de saúde mental. “Então imagina, você viver sua vida toda e de repente a sua autonomia é tirada, de repente a sua liberdade de ir, fazer, ir e acontecer é tirada e você tem que responder a outras pessoas por uma coisa que você teria totalmente liberdade.” – explica Vanessa. Ou seja, a ideação suicida durante a terceira idade está muito relacionada com o cerceamento de liberdade, a falta de autonomia e a infantilização do idoso.

Dados sobre suicídio a partir de um recorte de gênero

Além do recorte de idade, é possível fazer um recorte de gênero nas taxas de mortalidade por suicídio. Se somarmos as taxas dos anos de 2015 a 2019, temos que os óbitos a cada 100 mil habitantes do gênero masculino chegam a 132,6, enquanto o gênero feminino fica em 34,9.

Gráfico mostra a discrepância entre a taxa de mortalidade por suicídio no Brasil, a partir de um recorte binário de gênero.

A psicóloga Vanessa entende que essa discrepância nos números faz parte de um processo construído culturalmente. De forma geral, os homens se sobrecarregam mais emocionalmente e têm mais dificuldade em entender quando estão passando por um momento de vulnerabilidade – “ (…) esse homem que fala (sobre os problemas) é considerado ‘viadinho’, ‘frouxo’, que não dá conta.” – explica.

Relatos de experiência sobre ideação suicida

Carlos*, (24), sentiu na pele os efeitos que a masculinidade pode ter para agravar a ideação suicida. Ele faz parte de uma das faixas etárias que mais se mata no país (homens de 20 a 24 anos), e que sofreu um aumento de 28,43% no período analisado. Ficando atrás apenas da faixa de 15 a 19 anos, que cresceu 35%.

Para ele, a imposição social masculina é um dos maiores problemas para suicídio entre homens, “a sociedade cobra deles que eles não podem falhar, não podem não conseguir, porque ele é homem, ele é macho” – explica Carlos. 

Um dos episódios mais marcantes vivenciado por ele, foi justamente sobre produtividade e aconteceu na universidade. Recém-aprovado em engenharia, ele ouviu de um professor que “se você quisesse cometer suicídio, era pra você fazer isso na terça, na quarta ou na quinta, porque na segunda ou na sexta-feira, atrapalharia a aula dele” – conta.

O jovem não se lembra da primeira vez em que pensou em acabar com a própria vida, mas que essa fala do professor foi um grande estopim. Para ele, desde então, a ideação suicida é uma constante, apesar de não ter nenhum diagnóstico de distúrbios como ansiedade e depressão, que geralmente estão associadas ao suicídio.

Já Sabrina* (21), faz acompanhamento psiquiátrico e psicológico para os diagnósticos de transtorno de ansiedade generalizada e depressão persistente. Ela está na segunda faixa etária que mais cresceu em números de suicídio para mulheres, de 20 a 24 anos, sofrendo um aumento de 68,18% de 2015 para 2019.

Apesar do número relativamente menor de mortes, sendo o maior índice entre as mulheres, 4,1 mortes por 100 mil habitantes contra 15,3 dos homens, as mulheres têm maior prevalência de ideação suicida e formas menos violentas de tentar se matar. Foi o que aconteceu com Sabrina. 

Quando seus pais descobriram sobre a tentativa, a encaminharam para um psiquiatra, mas com ideia de que ela estava tentando fugir dos problemas e não como experiência suicida. Uma crença muito comum na sociedade que prefere atrelar “histeria” ou “confusão hormonal” aos quadros de sofrimento emocional das mulheres.

A pressão estética ao envelhecer e o suicídio

A faixa etária em que mais mulheres se suicidam é a dos 50 a 55 anos. Entre 2015 e 2019, houve uma média de 3,68 suicídios a cada 100 mil habitantes neste grupo. Segundo Vanessa, isso tem relação direta com a pressão estética exercida em cima da mulher mais velha. A população feminina é bombardeada desde o começo da vida por padrões de beleza inalcançáveis, e quando se envelhece, essa pressão pode se agravar. Seria a mesma analogia da flor: quando nova, ela embeleza o ambiente, quando velha, ela murcha e é descartada. 

Outro fator decisivo para o suicídio de mulheres na faixa dos 50 anos é o papel de mãe e esposa cristalizado nas relações com os outros e consigo mesma. Por estarem sempre nesse lugar de cuidadora, do instinto maternal, do resumo da figura feminina à mãe e esposa, quando os filhos e netos crescem, nasce um vazio no peito dessas mulheres. Dessa forma, elas sentem que não servem mais para muita coisa, como se a sua melhor vocação não precisasse mais ser exercida.

Vanessa costuma questionar principalmente as mulheres que vão ao seu consultório sobre a questão do cuidado: “quando você cuida de todo mundo, quem cuida de você?” – indaga. Isso porque, segundo ela, se não ocorrer esse aprendizado de como cuidar de si mesmo, e chegar no momento de ter só a si para cuidar, bate um vazio. Vazio esse que, em diversas vezes, contribui com o aumento do índice de suicídio entre mulheres nessa faixa de idade.

Dados sobre o suicídio infantil

Mesmo que difícil de imaginar, o suicídio infantil é uma realidade. Entre 2015 e 2019, na faixa etária de 10 a 14 anos, aconteceram, em média, 2,04 suicídios a cada 100 mil habitantes.

Segundo Vanessa, no caso das crianças é mais difícil ocorrer a ideação suicida por causa do caráter pré-lógico do pensamento infantil. Por ainda não terem o córtex pré-frontal totalmente formado, elas não conseguem se decidir ou entender algumas questões lógicas. 

Justamente por essa característica biológica, as crianças costumam ter um pensamento que Vanessa chamou de “pensamento mágico”, que é quando a criança não faz associações muito lógicas acerca da realidade. Ou seja, a questão da morte não é algo muito claro, às vezes elas podem achar que se trata de um processo reversível.

Por ser um assunto delicado, a morte ainda é meio incompreendida não apenas pelas crianças. Segundo a psicóloga, é importante que a família, principalmente, não abuse muito das metáforas para falar sobre morte com seus filhos – “a forma mais correta de falar sobre morte com criança, é falar sobre morte com criança.” – diz.

A importância da prevenção ao suicídio

A questão que matou, só em 2019, aproximadamente 13.523 pessoas no Brasil, pode ser resolvida principalmente com ajuda psicológica e psiquiátrica. Entretanto, ajudar na prevenção ao suicidio é algo que deveria ser feito por todos, não apenas por profissionais. Os pilares da prevenção estão focados na observação, escuta e na rede de apoio.

Primeiramente, é preciso estar atento aos sinais, observar se alguém está agindo de forma diferente, se fala frequentemente que quer sumir, que está cansado ou que deseja morrer. O próximo passo é tentar estabelecer um diálogo, perguntar como a pessoa está se sentindo, ou se está tendo pensamentos ruins. Pode parecer que isso agravará o estado emocional de quem você está tentando ajudar, mas, na verdade, a pergunta demonstra empatia e preocupação. Caso a resposta seja afirmativa, o passo seguinte é estar presente e manifestar interesse em auxiliar na busca por ajuda profissional. 

A prevenção é focada na escuta e não no julgamento da pessoa que está tendo pensamentos ruins. Portanto, o uso de imperativos negativos, como por exemplo “não faça isso”, ou tentar minimizar o sofrimento do outro, é desaconselhado.

Após esses passos, é importante que a pessoa auxiliada seja encaminhada a profissionais, para que eles possam trabalhar na posvenção, onde darão orientações específicas de acordo com cada caso.

Por mais que, em momentos de vulnerabilidade, a última coisa que temos vontade de fazer seja conversar com alguém sobre problemas e dificuldades, é importante que o façamos. O CVV (Centro de Valorização da Vida) atende pessoas que precisem conversar, oferecendo apoio emocional, a fim de prevenir o suicídio. Atuando de maneira gratuita e 24h, o Centro atende por chat online, e-mail ou telefone todos os dias.

Telefone CVV: 188

Site do CVV

*Os nomes utilizados nessa matéria foram alterados a fim de preservar a identidade das fontes.

Trabalho realizado por: Ana Kei Osera (95993); Enya Chaves (96006); Julia Lourenço (95987); Matheus Garcia (92753).

Matheus Garcia

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