O audiovisual da região sudeste em dados: Onde está o cinema mineiro?
Cinema cresce na região, mas dados apontam para desafios na comercialização da sétima arte no estado de Minas Gerais
A produção audiovisual de Minas Gerais se destacou no circuito de prêmios e festivais, tanto nacionais quanto no exterior, com sucesso crescente datado desde 2010. A pauta foi discutida nas redes sociais quando o produtor belo-horizontino Daniel Dreifuss recebeu, em 2023, a estatueta de melhor filme internacional pelo drama Nada de Novo no Front e novamente quando, no mesmo ano, o Brasil foi selecionado para etapa de análise de filmes a concorrerem pela mesma categoria a partir de uma produção mineira, o drama Marte Um, produzido e gravado na periferia de BH.
Mas dados da indústria de produção e consumo de cinema apontam para uma discrepância na área se comparada aos outros estados da região. Onde estaria, então, o cinema mineiro?
Muito se fala sobre a prevalência das produções audiovisuais do sudeste, tanto em questão de público quanto em número de filmes. Porém, números revelam que apenas o eixo Rio-São Paulo predomina sobre o resto do Brasil. Minas Gerais, que ocupa mais da metade (63,5%) do território sudestino, e detém ¼ da população da região, produziu apenas 62 dos 1602 filmes lançados. O levantamento teve como base as informações disponibilizadas pela Agência Nacional do Cinema, a ANCINE, que possui, em seu site oficial, uma série de apurações envolvendo o circuito comercial de cinema no Brasil.
Considerando apenas esses dados, a produção cinematográfica em Minas Gerais pode parecer diminuta tanto quantitativamente quanto qualitativamente. Esse, no entanto, não é o cenário observado. “Existem profissionais talentosíssimos e criativos [em Minas Gerais].” diz Gabriel Martins, cineasta mineiro. “Os filmes vêm repercutindo há anos nos festivais nacionais e internacionais.”.
Seu filme mais recente, o mencionado Marte Um, é um desses filmes premiados, tendo conquistado 8 categorias do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro e 3 categorias do Out on Film Festival. Apesar disso, ele não fez o corte de 500 mil espectadores, tendo estreado em apenas 34 salas de cinema, e não chegando a 100 cinemas mesmo nas semanas seguintes.
Desafios de distribuição cinema mineiro
“A distribuição encontra um problema maior pelo fato de não contarmos com espaço nas salas para exibir os filmes.” observa Gabriel, que não considera que apenas conseguir que distribuidoras para os filmes seja suficiente “Independente de termos incentivo para distribuição, as poucas salas que temos nem sempre cedem espaço para um filme independente, pois não acredita no seu potencial de retorno.”
Heloisa Carvalho, estudante de cinema na UFJF, discorda que a exibição de filmes independentes não tenha retorno. “[Marte Um] é um filme que eu estaria disposta a pagar para ver. Porque é um filme brasileiro, sabe? Nacional. A gente tem que dar apoio para eles.”.
Ela ressalta, também, que mais que dar apoio a filmes nacionais, é preciso apoiar filmes produzidos fora do eixo Rio-São Paulo. “A sala de cinema tem a porcentagem de filmes brasileiros que eles têm que passar. E você vai ver, são todos filmes, assim, Paris Filmes, Globo Filmes, produtoras grandes de São Paulo e uma maioria esmagadora do Rio de Janeiro.”
Confira abaixo mais desse bate-papo com a Heloísa:
Matheus Moura é produtor, diretor e formado em Comunicação Social com Habilitação em Cinema e Audiovisual. Com base na experiência acadêmica e no mercado em que atua, ele considera que não é só entre os filmes nacionais que se batalha por espaço.
“Minas, assim como outros estados, sofreu muito […] em relação ao contexto de distribuição, com disputa violenta que o cinema nacional, principalmente mais autoral e mais independente, tem com filmes estadunidenses”, explica. Destaca os a hiper centralização das salas de cinema, contextualizando um estado com quase novecentos municípios. “Se a gente pega para analisar a porcentagem de cidades que tem uma sala de cinema e mais, uma sala que projeta filmes mineiros, o número [de espaços de projeção] reduz consideravelmente”
Os dados demonstram que ele está, pelo menos, parcialmente certo – em especial quando se considera a concentração de salas de cinema em cidades metropolitanas.
“Para nós, [produtores mineiros,] é mais difícil, pois muitos blockbusters chegam aqui com um marketing muito maior que o nosso (nacional, independente, produtora pequena).” diz Luiz, produtor-executivo da Immagini Animation, que sentiu isso na pele durante o processo de distribuição de Chef Jack, o primeiro longa de animação produzido em Minas.
“Não conseguimos competir, por meio do marketing. Até sala de cinema é difícil, mexer com distribuição, é tudo mistério. […] Na maior parte das vezes, esse processo é bem mais difícil. Sobretudo para filmes que não tem distribuidora. […] Nós, produtores mineiros, nos contatamos, ajudamos e estamos sendo muito elogiados, [mas] o mercado não tem uma fórmula.
Gabriel Martins resumiu bem o cenário quando perguntado sobre a ausência de títulos vindos de Minas Gerais em cartaz nos cinemas em maior escala: “Porque falta investimento, espaço nos cinemas e uma construção pedagógica da importância de se valorizar produções locais.”
O papel das políticas públicas
Entre os desafios mais citados por produtores no estado está também a constante luta por fundos para produzir e distribuir longa-metragens de qualidade, principalmente levando em consideração a falta de grandes produtoras cinematográficas fora do eixo Rio-São Paulo. Nesse contexto, políticas públicas de incentivo à criação de peças audiovisuais têm um papel importantíssimo na produção nacional, ajudando projetos a “saírem do chão” e se tornarem factíveis.
Luiz diz que o caso de Chef Jack é um destes projetos que veio à realidade devido aos editais da ANCINE. “Até chegarmos nesse mercado, foi quase 10 anos. Nesse meio tempo, focamos em muitos editais, a principal forma de começar a produzir criativamente. Levamos muitos “nãos” até aprendermos a mexer com eles. Antes não tinha internet pra aprender muita coisa. Em 2018 ganhamos nosso primeiro edital, abandonamos a publicidade e começamos a firmar parcerias para o mundo do cinema.”
Mas nem tudo são flores. “Os editais ainda são escassos e muito concorridos quando abertos. O cinema mineiro vem crescendo, mas os investimentos não.” afirma Gabriel, sendo apoiado também por Matheus, que completa:
“[Há] uma certa instabilidade das políticas públicas e fontes de financiamento de modo geral, também acho que [os desafios venham das] inconstância das políticas e de certa forma essa dependência também que é criada.”. Como muitas produtoras dependem desses editais para tirar seus sonhos do papel, a concorrência por eles é tremenda, de modo que muitos anos e tentativas são necessárias para que se alcance o apoio da ANCINE. E mesmo quando existem bons editais para fomentar o cinema nacional, eles são focados nas grandes metrópoles produtoras do mercado, como explica Luiz Fernando:
“Há muito tempo, Rio e SP dominavam a cena e isso é por conta de tradição, pioneirismo e, ao longo dos anos, editais muito mais fortes e articulados. Lá é que começaram as TVS, os primeiros filmes em circuito comercial. Eles tiveram muito tempo antes de nós, até a ANCINE surgir. Lá havia muitas políticas para incentivar e valorizar o cinema de lá. A gente não conseguia competir.”
Lei das Cotas de Tela
A Cota de Tela , segundo definido pela Agência Nacional de Cinema, é a obrigação que as empresas exibidoras possuem de incluir em sua programação obras cinematográficas brasileiras de longa-metragem, prevista por uma Medida Provisória de 2001 (nº 2.228-1/2001) e atualmente é regulamentada pela Instrução Normativa n.º 88, de 2 de março de 2010 . A lei representa um grande avanço rumo a maior valorização do cinema nacional, mas segundo profissionais da área, não é perfeita.
“A lei da cota de tela é complexo de ser analisada porque ainda está no processo de aprovação, acho que é um passo importante, mas os números que estão sendo propostos são baixos se comparados com outros países como a França por exemplo.” diz Matheus, que também percebe a necessidade de um maior abrangência para a lei de cotas de telas. “Não só com os streamings, que agora estão de alguma forma ocupando a parcela considerável do mercado exibidor assim, mas também em questão da televisão aberta, fechada, de vídeo on demand, as próprias salas de cinema, dos próprios espaços dos eventos cinematográficos relacionados a eventos, mostras são vários passos a serem alcançados. A lei de é um passo importante, mas acho que não contempla todas as cidades e todos os espaços que a gente tem.”
Apesar das falhas, ainda é necessário admitir que o projeto cria uma maior valorização do cinema nacional dentro do nosso território, como ressalta Luiz: “A lei da cota de telas é importantíssima, tanto no cinema quanto na TV e streaming. Uma vez alcançando um bom público nacional, não apenas se valoriza o que é feito aqui, como também facilita com que os filmes daqui consigam projeção lá fora. Vira uma vitrine que ajuda em negociações.”
E aí? Onde está o cinema mineiro? Este trem está a todo vapor!
A opinião parece ser unanimidade: de Marte Um a Chef Jack, a cena do cinema mineiro vem, cada vez mais, se fortalecendo e a postos para alcançar novos patamares. A Lei Paulo Gustavo, por exemplo, representa o maior investimento direto já realizado no setor cultural do Brasil, e irá direcionar um total de R$3.862.000.000,00 para a implementação de ações e projetos em todo o país. Ainda é preciso ficar atento a como essa lei vai ser implementada, uma vez que entender o que está por trás da escassez de filmes locais é essencial para cobrar mudanças, afinal, representatividade importa e é um direito.
Mas, por enquanto, as expectativas para o futuro são promissoras, como afirma Gabriel Martins, “Acredito que o cinema mineiro já vem sendo observado há um tempo e o Marte Um pode ter ajudado a enxergar a potência de filmes fora do eixo Rio/SP (não só mineiros). Vejo novas gerações como a produtora Ponta de Anzol e outras aqui em Minas que traçam um caminho interessante, de experimentos e integridade criativa. Fico animado.”
Reportagem por: Beatriz Carnelós (108463); Camila Leão Sabará (108465); Isabella Cardoso Gonçalves de Andrade (108475); Stela Maris Antônio de Moura (102312)