O ENEM é para todos
A oportunidade de estudar em uma universidade é o sonho de grande parte dos adolescentes, permitindo que eles acessem novas oportunidades de acesso ao conhecimento, a pesquisas e ao desenvolvimento para o mercado de trabalho. Entretanto, esse não é o sonho apenas de adolescentes, pessoas de diversas idades também entram nas universidade ou faculdades atrás de uma carreira. E, no Brasil, a prova do ENEM, Exame Nacional do Ensino Médio, é responsável por abrir portas para o mundo acadêmico.
Contudo, desde o ano de 2005, o número total de inscritos na prova vem diminuindo gradativamente, alcançando seus menores números em 2021 e 2022. Com essa diminuição de participantes, consequentemente houve também uma diminuição nas pessoas com mais de 30 anos presente nas provas. De acordo com uma matéria da BBC, os motivos para a diminuição no número de estudantes fazendo a prova se deve a uma descrença dos jovens em ver a universidade como oportunidade de ascensão social, mas não só isso, em relatório da UNICEF, de 2020, havia cerca de 1,5 milhões de jovens sem acesso a qualquer tipo de ensino no Brasil.
Outro possível motivo para a redução no número de participantes seria a diferença entre a educação pública e a privada, os estudantes de escolas públicas sentem a defasagem em relação aos estudantes da escola privada e, às vezes, precisam trabalhar para ajudar no sustento de suas famílias. E isso tudo foi agravado durante a pandemia em 2020. Isso também afeta as pessoas com mais de 30 anos que fizeram a prova, a grande maioria tem que estudar e trabalhar, competindo com pessoas mais jovens, que se dedicam a estudar. Isso é um empecilho para que essas pessoas também possam circular pelos espaços acadêmicos.
No ano de 2021, o número total de participantes foi de 3.389.832, sendo esse o menor número registrado desde 2015, segundo os dados do INEP, sendo que apenas cerca de 10,5% desse valor corresponde ao número de inscritos com mais de 30 anos. Denise Oliveira, de 43 anos, é estudante de Comunicação Social na Universidade Federal de Viçosa (UFV) e retornou para a academia no ano de 2022, após fazer a prova do ENEM. Ela acredita que um dos motivos para essa redução seria o desânimo com o mercado de trabalho, pois as pessoas estão cada vez mais vendo pessoas formadas não conseguindo emprego mesmo com diploma, e por isso, estão correndo atrás de empregos para se sustentar.
A falta de incentivo da comunidade também não contribui para que mais pessoas tentem realizar a prova e iniciar uma nova jornada nas universidades que é considerada tardia. Denise contou que durante todo o seu processo escutava discursos desmotivadores e descrentes da busca por uma mudança em sua vida. A estudante também relatou que foi por seus estímulos que seu marido também tentou a prova em 2021 e ingressou junto com ela na UFV, entretanto, cursando História.
A estudante tem uma grande experiência com a prova, tendo se formado em 1999, Denise tentou diversas outras vezes ingressar na faculdade através do ENEM, tendo cursado alguns anos em pedagogia e psicologia, largando ambos por não ter sentido que era aquilo que queria para sua vida. Com uma bagagem pesada no mercado de trabalho, ela brinca falando que tem sua carteira de trabalho praticamente inteira assinada, e que voltou a estudar, porque queria ter mais oportunidades procurando por algo que gosta, mesmo que seja para ganhar o mesmo valor que ela já ganhava, por esse motivo Denise começou e continuou e diversas vezes a fazer o ENEM. Ela contou que sempre gostou de fazer a prova, e que fazer anos depois de ter se formado na escola fez com que ela não se sentisse pressionada a entrar na faculdade, mas sim, que ali ela tivesse uma oportunidade, e acredita que isso foi um dos motivos de ter ido bem no exame.
Conversando sobre as dificuldades encontradas para voltar a estudar, ela acredita nas possibilidades de que trabalhar e estudar ao mesmo tempo é muito difícil, e às vezes até inviável, como no seu caso que o curso é integral (na parte da manhã e tarde), entretanto, seu marido trabalha e estuda, e ela tem uma renda extra com seu canal no youtube, que atualmente, alcança os 109 mil inscritos. Além disso, as pessoas que têm filhos possivelmente abrem mão de tentar estudar para que eles possam ter essa oportunidade, afinal os estudos não são baratos, por mais que se esteja estudando na universidade pública.
Acolhimento nas universidades
Um ponto muito importante a ser ressaltado é como as pessoas mais velhas vão se sentir no ambiente universitário, a diferença de idade é fator crucial para a socialização. Em caso recente, um vídeo que circulou recentemente nas redes sociais mostrou universitárias de São Paulo zombando de sua colega de 40 anos que frequentava a mesma instituição, demonstrando como existe a possibilidade de essas pessoas não serem bem-vindas no ambiente universitário.
Entretanto, um censo do MEC (Ministério da Educação) de 2021 mostrou que 599.977 pessoas nessa faixa etária se matricularam em instituições de ensino superior. Desse modo, apesar das diminuições das pessoas fazendo a prova do Enem, o número de estudantes mais velhos vem aumentando dentro das universidades. Por isso, para que esse número continue crescendo, é necessário que o ambiente se torne acolhedor para essas pessoas que buscam melhorias de vida no âmbito educacional.
A estudante Denise conta como foi sua adaptação ao ambiente acadêmico, ela disse que, inicialmente, não recebeu apoio das pessoas próximas, apenas de sua mãe e seu marido, elas questionavam sua decisão, dizendo que estava muito fora de hora para retornar para a faculdade, e ela diz que levou isso como motivação para prosseguir. Não só isso, mas ao entrar, se deparou com uma sala de aula com pessoas muito mais jovens, e isso foi algo que a assustou um pouco, porque ela sentia que não haviam pessoas parecidas com ela ali, o que a fez hesitar um pouco. Porém com o passar do tempo, ela se adaptou, contando que conversa com boa parte de seus colegas e que é mais próxima de alguns, mas que ainda gostaria de ver mais pessoas como ela em sala de aula.
Em uma pesquisa realizada por Denise Maria dos Santos Paulinelli Raposo e Isolda de Araújo Günthe, sobre o ingresso na faculdade aos 45 anos, “No presente estudo, adultos que voltam a frequentar instituições de ensino emitem opinião semelhante. Cabe ainda ressaltar os registros sobre a importância, para os respondentes, de serem aceitos na turma em que estão matriculados, sobre a facilidade com que se inseriram em grupos de estudos, a satisfação por conviver com pessoas mais jovens e a integração deste novo papel em suas vidas. Portanto, ir à faculdade e conviver com outras pessoas eram fatores relacionados à manutenção e ao desenvolvimento das habilidades.”, a sociabilidade se demonstra um importante fator de permanência dessas pessoas na universidade e um motivo de ingresso.
Os dados usados nessa reportagem podem ser encontrados no site do INEP
Por: Agatha Costa, Gabriella Arges, Iara Luiza e Inayá Ahau