Ocidentalização em nome da harmonia?
Para garantir um visual mais ocidental, a cirurgia de ocidentalização dos olhos é uma intervenção cirúrgica estética que promete criar as “dobrinhas” nas pálpebras – que cerca de 50% dos asiáticos nascem sem. O procedimento foi o mais realizado durante o ano de 2019 no Japão, representando 60,3% de todos os procedimentos cirúrgicos estéticos do país naquele período.
O Brasil é o país que concentra a maior população japonesa fora do Japão – além da população expressiva de coreanos e sino-brasileiros. Aqui, a cirurgia de ocidentalização das pálpebras começou a ser praticada nos anos 1970, tornando-se mais popular a cada ano. Hoje em dia já existem alguns métodos diferentes de como fazer o procedimento, mas os dois mais populares são:
- Se houver excesso de pele nas pálpebras, pode-se remover esse excesso e criar o sulco.
- Dão-se alguns pontos contínuos na pálpebra superior, criando assim, a dobra.
O antes e depois do procedimento e sua problemática.
Analisando as imagens de antes e depois da cirurgia de ocidentalização, fica claro que ela não nega totalmente as origens do paciente, mas procura, segundo o site da Clínica Ishida, “um olhar mais atraente, preservando as características étnicas e respeitando suas particularidades anatômicas.” Entretanto, um enorme paradoxo reside nessa afirmação. Como uma cirurgia chamada de “ocidentalização dos olhos” respeita alguma característica étnica ou particularidade anatômica?
Há uma discussão acerca desse procedimento que avalia se ele é uma tentativa de apagar traços orientais, ou se age apenas em nome da “harmonia do rosto”. A pergunta que fica é: por que a harmonia precisa se aproximar do padrão ocidental? É plausível que milhares de pessoas façam uma intervenção cirúrgica para ocidentalizar os olhos em nome da “harmonia”?
O que vive a Coréia do Sul.
A naturalização desse tipo de procedimento e discurso pode levar ao que vive a Coréia do Sul hoje em dia. Segundo um levantamento de 2014 da Sociedade Internacional de Cirurgiões Plásticos, um em cada 77 sul-coreanos já passaram por alguma intervenção cirúrgica para alterar a aparência.
Além disso, no país, as cirurgias já evoluíram para implantes no nariz para aumentá-los e dar um ângulo mais ocidental, implantes no queixo para abandonar as formas mais arredondadas, chegando até em tentativas de mudar a curvatura das pernas.
O lucro da indústria com as nossas insatisfações.
De fato, em parte caímos de novo no meme do “é tudo culpa do capitalismo”. A Indústria da Beleza lucra com a nossa insatisfação e vai além disso. Em um vídeo feito pela Tech Insider, o cirurgião coreano Man Koon Suh diz que as pessoas mais “bonitas”, isto é, mais “ocidentalizadas” acabam conseguindo melhores colocações no mercado de trabalho.
Ou seja, será que quando se sofre ataques constantes explícitos e implícitos acerca de como você se parece, chegando até a afetar possibilidades de emprego, ainda é sobre escolha?
Acesse o texto publicado originalmente na segunda edição da Revista Amplie aqui.