Viçosa – a cidade que cresce para o alto
Quando o assunto é moradia, já se tornou comum para os habitantes e visitantes da cidade mineira Viçosa olharem para o alto. Isso porque, segundo dados do Censo 2022, cerca de 41% dos moradores da cidade vivem em apartamentos.
Este percentual fez com que Viçosa conquistasse a posição de cidade mais verticalizada de Minas Gerais e a sexta do país, considerando a proporção de moradores em prédios em relação ao total de habitantes. Apesar de contar com uma população relativamente pequena, de aproximadamente 66 mil pessoas, ainda segundo o Censo, o município está à frente de grandes cidades como Belo Horizonte, São Paulo e Rio de Janeiro em termos de verticalização.
Os dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estática são resultados da pesquisa realizada em 2022 e consideram as informações oferecidas pelos entrevistados e os documentos de registro oficial de locação e propriedade de imóveis.
Nesta análise foram considerados domicílios particulares permanentes ocupados do tipo casa, casa de vila ou em condomínio, apartamento, habitação em casa de cômodos ou cortiços, habitação indígena sem paredes, residências degradadas ou não finalizadas.
Confira os dados do panorama de habitação em Viçosa:
Os motivos por trás da verticalização
A verticalização é um processo urbano que surge como resposta à demanda por moradia, estando diretamente ligado ao crescimento das cidades. Este processo é global e acontece desde o século XIX, acompanhando o aumento da população mundial e o êxodo rural, que exige a ampliação da capacidade nas zonas urbanas cada vez mais rápidas.
Segundo Dayana Debossan Coelho, professora do departamento de geografia e coordenadora do laboratório de geografia histórica da cidade e território da Universidade Federal de Viçosa (UFV), este fenômeno ganha características próprias em Viçosa e está diretamente ligado à presença da universidade no município e à concentração dos setores de comércio e serviços na região central.
“Esse processo de verticalização começou sobretudo na década de 70, já que foi em 1969 a federalização da Universidade. Na década de 60 a gente também teve a construção da BR 120 e, esses dois elementos, além do calçamento da Avenida Ph, provocaram o êxodo rural e a partir da década de 70, Viçosa se tornou uma cidade predominantemente urbana”, explica.
O corretor de imóveis e delegado do Creci1 – Conselho Regional dos corretores de imóveis – de Viçosa, Luciano de Freitas, também destaca que a procura por moradia de alunos universitários vindos de outras cidades é um fator determinante para o panorama urbano da cidade. “A verticalização é uma consequência da busca por moradias próximas à UFV e ao centro. Ela reflete a necessidade de acomodar uma população crescente em um espaço limitado”, relata.
Impactos da verticalização
Assim como outros fenômenos que fazem parte do processo urbano, a verticalização tem impactos em diversas dimensões. Ítalo Stephan, professor no Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFV e especialista em planejamento urbano, avalia que a verticalização não é um problema, mas aponta os efeitos negativos que ela pode ter quando feita de forma desordenada.
“A verticalização em si não é um problema. Ela pode ser feita de uma forma adequada, com prédios separados um do outro e em partes da cidade onde tem uma infraestrutura capaz de suportar o sistema viário, a demanda por abastecimento de água, a capacidade de esgotamento sanitário, a demanda de energia”, afirma. E na cidade mais verticalizada do estado, é possível observar diversos impactos que afetam, não só a dinâmica e a mobilidade urbana, mas também a vida das pessoas e o meio ambiente.
Impactos ambientais
Os impactos ambientais causados pela verticalização intensa na cidade de Viçosa acompanham todo o processo de construção e urbanização da cidade. Além de desgaste do solo, redução de áreas verdes, aumento de assoreamentos e surgimento de microclimas, a questão hídrica é a mais alarmante. Isso porque a região central de Viçosa foi edificada sobre dois dos principais afluentes de água: o Rio São Bartolomeu e o Córrego da Conceição. Segundo o professor Ítalo Stephan caracteriza a construção urbana historicamente realizada sem considerar a questão ambiental dos rios que atravessam o município é o maior impacto ambiental observado.
“O problema é que a gente cresceu ao longo dos rios, né? A gente tem muitos prédios colados ao São Bartolomeu, no Córrego da Conceição. Em épocas de muitas chuvas, acaba entrando água nas garagens e tudo. E os rios estão ali. Eles estão reclamando o leito que era original, o leito natural deles. A gente esconde os rios, né?! Mal sabemos por onde eles passam. Vai descobrir quando abre um buraco que é exatamente em cima da tubulação que nem sempre consegue segurar o fluxo de água, de chuva, às vezes dá defeito, às vezes ela rompe e tem vazamento”.
Impacto socioeconômico
Os aspectos socioeconômicos no município são resultados de um processo histórico e estão diretamente ligados à verticalização. A valorização da terra e a especulação imobiliária são decorrentes da alta demanda por moradia no centro, próximas à UFV, já que a instituição atrai uma população flutuante de cerca de 20 mil pessoas para a cidade todos os anos.
Estes fatores elevam o custo de vida e intensificam o processo de segregação socioespacial que teve um marco inicial em 1971 e se consolidou com o crescimento e fortalecimento do setor imobiliário na cidade. Não há registros concretos sobre o processo de marginalização da população que ocorreu de forma intensa na década de 1970. De acordo com a professora Dayana Coelho, o centro se torna um lugar inacessível para a população periférica da cidade revelando que o processo de urbanização da cidade foi segregador.
“Como essa população acessa a centralidade urbana? Teoricamente, trabalha durante a semana e no final de semana poderia vir aproveitar algum espaço de lazer como a própria universidade, acessar a parte alimentícia,a parte do consumo, ou mesmo de práticas esportivas. Eles não vêm porque ficam restritos por inúmeros motivos. É como se essa população periférica fosse condenada a estar no centro somente a trabalho”, aponta.
Além disso, o processo de segregação socioespacial possui um caráter subjetivo que interfere na identificação das pessoas com o território e, assim, aumenta distâncias simbólicas e criam fronteiras invisíveis entre centro e periferia.
Outro indício que expressa o impacto socioeconômico da verticalização é a mudança nas dinâmicas habitacionais e nos modos de viver da população no centro. Se torna cada vez maior a busca por kitnets, lofts ou moradias compartilhadas, como as tradicionais repúblicas estudantis.
Segundo dados do IBGE, mais de 1.400 imóveis da cidade contam com dois moradores ou mais, podendo ser compostas por famílias, amigos ou conhecidos que dividem moradia para diminuir os custos mensais.
Impacto na mobilidade urbana
O crescimento da população é diretamente proporcional ao número de veículos, o que pode ser um problema para uma cidade que não foi planejada para escoar essa necessidade. Além disso, o número de pessoas que precisam do transporte urbano também aumenta, o que leva à sobrecarga de um setor que não está preparado para atender a esta demanda.
Engarrafamentos diários, superlotação das linhas de transporte público e acidentes recorrentes são alguns dos resultados da falta de mobilidade urbana fortemente intensificada pela verticalização.
O céu é o limite?
O processo de verticalização na cidade de Viçosa não é uma tendência ou um fenômeno isolado. A verticalização é uma realidade construída historicamente e que molda a infraestrutura e a dinâmica da cidade dia após dia.
Assim como outras cidades do país, Viçosa enfrenta desafios diretamente ligados à sua infraestrutura e, apesar da verticalização não ser o problema em si, é necessário que o poder público e os órgãos competentes estejam atentos e empenhados na busca por diminuir seus impactos negativos como os socioeconômicos, os ambientais e o sucateamento da mobilidade urbana.
Mas afinal, o céu é o limite para o desenvolvimento urbano de Viçosa?
- O Conselho Regional dos Corretores de Imóveis (Creci) é um órgão de fiscalização da profissão, criado em 1962. Mesmo sendo uma autarquia federal, com autonomia em certas ações, o Creci está sujeito à fiscalização por parte do Tribunal de Contas da União (TCU). ↩︎
- Além de sua relevância geográfica, essa bacia está intimamente ligada à urbanização e ao planejamento dos recursos hídricos. O manejo adequado desses recursos é fundamental para o desenvolvimento sustentável da região, o que inclui considerações sobre o uso e ocupação do solo, bem como a implementação de planos de desenvolvimento econômico.
A bacia hidrográfica do São Bartolomeu ocupa uma área de 55,10 km2, o que corresponde a 18,48% da superfície do município de Viçosa. – Fonte: http://avesdevicosa.blogspot.com.br/2012/12/o-paraiso-e-as-nascentes-do-sao.html ↩︎
Por Aline Gomes, Gabriel Castro, Luiz Tadeu, Maria Izabela e Maria Paula.