De um estilo alternativo, e da contracultura nas ruas da Califórnia, para um esporte Olímpico, o skate teve somente sua segunda aparição nos Jogos de Paris, mas já caiu nas graças do público. Não há um consenso sobre a origem do esporte, mas os relatos mais contados são de que a origem da prática se deu à partir dos rollers scooters, uma espécie de patinete fabricados nos anos 1900.
A popularização do skate veio na década de 50, quando grupos de surfistas instalaram rodas e eixos em pranchas para simular o surfe na calçada, quando não havia ondas, daí surgindo o nome skateboard. O que impulsionou ainda mais o esporte foi a fabricação das rodas de poliuretano, tecnologia criada pelo engenheiro e surfista Frank Nasworthy, que eram muito mais leves em relação às antigas rodas de ferro, fornecendo mais dinâmica e velocidade e permitindo que os praticantes realizassem novas manobras em diferentes espaços, reinventando o esporte.
Nos anos 70, surge o movimento contracultura, que buscava quebrar os padrões com o protagonismo dos jovens buscando reconhecimento social. Nesse contexto, o skate se insere no cenário através de um grupo de skatistas conhecido como Z-Boys. Com um estilo único e inovador, suas manobras servem de base para o skate vertical até hoje, sendo considerados um dos grupos mais influentes do esporte. Ademais, a popularização do estilo de vida associado ao esporte ajudaram a consolidar a cultura.
A partir 1980, o skate passou por uma transformação significativa com o surgimento de novos estilos, como o vert (vertical) e o street (rua). Tony Hawk, uma das maiores lendas do skate, começou a se destacar nessa época. As competições internacionais se tornaram mais frequentes, e o esporte ganhou uma base sólida de praticantes ao redor do mundo.
Contudo, somente em 1996 que as discussões para tornar o skate um esporte olímpico começaram. A oficialização ocorreu somente em 2016, sendo assim, a primeira aparição e inserção oficial do esporte como modalidade olímpica nos Jogos de Tóquio.
O skate aterrissou em solo brasileiro nos anos 60, no Rio de Janeiro. No início, com muita dificuldade para adquirir o skate, muitos praticantes improvisavam, inserindo rodas de patins em pranchas de madeira. A comercialização do skate começou em 1974, em lojas de surfe, e a propagação do esporte pelo país começou em 1977, quando a revista Esqueite começou a circular em território nacional.
Em meados dos anos 80, houve a ascensão do skate no Brasil. Programas de TV, e eventos internacionais no país corroboraram para essa grande popularização. Em 1988, a prática foi proibida em São Paulo, mas para um esporte enraizado na resistência, que sempre lutou contra os padrões, isso não seria o fim do skate no país. Em 2000, o Brasil finalmente conquista o primeiro título mundial, e em duas modalidades: Bob Burnquist (vertical) e Carlos Piolho (street).
Junto a esses, temos outros grandes nomes brasileiros: Sandro Dias, Pedro Barros, Rodil Ferrugem. Porém, o grande nome atual do skate apareceu pela primeira vez em 2015, mais de 50 anos depois do início do esporte, e 15 anos após a primeira conquista brasileira, surgiu no Nordeste do Brasil, um fenômeno, ou melhor: uma fada. Rayssa Leal, que, com apenas 16 anos, já tem currículo de gente grande e consolidou seu nome na história do skate nacional.
Das ruas do Maranhão para o mundo
Jhulia Rayssa Mendes Leal, nascida na cidade de Imperatriz, no Maranhão, começou sua relação com o esporte aos seis anos, ao receber de presente de aniversário um skate. Em 2015, sua mãe, Lilian Mendes, gravou um vídeo dela fazendo um heelflip saltando de uma escada. O vídeo viralizou, e chegou no Tony Hawk, compartilhando a publicação de Rayssa, que no vídeo estava vestida de fada, ganhando assim o apelido de “Fadinha do skate”.
A jornada de Rayssa não foi apenas de glamour e holofotes. Cada manobra, cada salto e cada queda foram acompanhados de muita dedicação e superação. Desde enfrentar preconceitos e estereótipos por ser uma menina em um esporte majoritariamente masculino, até lidar com lesões e a pressão de se manter no topo, Rayssa mostrou uma força e maturidade impressionantes. Seu sorriso e humildade conquistaram fãs no mundo inteiro, mas foi sua determinação incansável que acendeu o seu brilho nas competições.
Sua estreia em torneios internacionais aconteceu em janeiro de 2019, com apenas 11 anos. Ela competiu na Street League Skateboarding Championship Super Crown (SLS), terminando na 13ª colocação. Em julho do mesmo ano participou da etapa da SLS em Los Angeles, e ficou em 1º lugar, tornando-se a atleta mais jovem a ganhar uma etapa da competição. Em 2019 participou da sua segunda SLS Super Crown, e terminou na 2ª colocação, sendo a vice-campeão mundial do skate.
Dois anos depois, em 2021, por conta da pandemia do Covid-19, aconteceu as Olimpíadas de Tóquio 2020: a primeira edição com o skate como modalidade. Rayssa Leal foi a atleta mais jovem a integrar a delegação brasileira, aos 13 anos e 203 dias. Na modalidade Skate Street, Rayssa conquistou a medalha de prata, e entrou no Guinness Book como atleta mais jovem a subir no pódio olímpico.
Com o tempo, Rayssa foi acumulando conquistas nas etapas da SLS, e em 2022 ganhou o Super Crown no Rio, tornando-se campeã mundial pela primeira vez. Com 8 vitórias pela SLS, realizou o feito de ser a segunda pessoa com mais troféus na competição, ficando atrás somente do estadunidense Nyjah Huston.
Nos jogos Pan-Americanos de 2023, no Chile, Rayssa integrou a delegação e conquistou a medalha de ouro na primeira aparição do skate na competição. Pâmela Rosa, também brasileira, conquistou a medalha de prata, sendo assim a “dobradinha” brasileira na edição do Pan.
Em 2024, Rayssa Leal subiu no pódio de novo, sendo a 1ª colocada da edição do Pré-Olímpico, na China. Desse modo, a jovem maranhense garantiu sua passagem de ida para os Jogos de Paris.
A emocionante medalha em Paris
Após a classificação para as Olimpíadas, Rayssa chegou como a 3ª colocada do ranking mundial, sendo uma das maiores esperanças de medalha para o Brasil. A pista em que se disputou o Skate Street em Paris, localizada na Place de la Concorde, estava repleta de torcedores brasileiros, um ambiente propício para o espetáculo de Rayssa Leal.
A fase classificatória não foi nada fácil. A dinâmica da disputa é: duas voltas de 45 segundos, em que a maior nota é contabilizada, depois as competidoras têm direito a cinco manobras, em que as duas maiores pontuações são somadas com a nota da volta.
O início de Rayssa não foi bom, teve como maior nota 59.88, a menor das cinco competidoras da terceira bateria. “Tava um pouco emocionada porque normalmente isso não acontece. É bem raro eu errar as duas voltas e com manobras muito simples. A gente se deixa levar pelo nervosismo. É coisa que acontece. Por ser um evento muito grande, aconteceu” – disse a skatista à Cazé TV antes da última bateria.
Sob muita pressão, Rayssa conseguiu se recuperar na fase das manobras, aparentando estar bem mais leve e descontraída, depois das duas primeiras notas (85.87 e 88.87), recebeu 92.68 na terceira, a maior nota da história olímpica até aquele momento. Assim, classificou-se para as finais na quinta colocação.
Na fase final as japonesas Liz Akama e Coco Yoshizawa, brilharam e conquistaram a “dobradinha”, com Coco conseguindo impressionantes 96.49, superando o recorde que a Rayssa tinha quebrado horas atrás.
A disputa do bronze estava aberta. Para Rayssa, que superou todas as dificuldades e adversidades para chegar ao topo, esse era somente mais um desafio. A última manobra era decisiva, caso não a concretizasse, estaria fora da disputa. A brasileira chamou a torcida, e com alegria, sorriso no rosto, e com o brilho nos olhos de uma adolescente, acerta sua última manobra, recebendo uma nota 88.83, que garantiu sua medalha de bronze.
Com sua garra e brilho, Rayssa tornou-se uma figura icônica no skate brasileiro e mundial. Sua trajetória é um testemunho de como a determinação e o talento podem superar qualquer obstáculo. Mesmo sendo tão jovem, enfrentou preconceitos e a imensa pressão de competir em nível internacional com uma maturidade impressionante. Ela não apenas conquistou medalhas e títulos, mas também inspirou uma geração inteira de jovens a perseguirem seus sonhos, independentemente das dificuldades.
Rayssa Leal é um exemplo de que “contos de fadas” podem se tornar realidade.