Opinião | A Data FIFA realmente é o problema?

Foto: Ozan Kose / AFP

Os jogos de seleções são sempre vistos no Brasil como algo condenável para os torcedores e seus respectivos clubes, mas a crítica principal deve ressaltar outros aspectos

As Datas FIFA são períodos previstos no calendário anual do futebol, em que os jogadores deixam suas equipes para representar seu país por momentos breves. Porém, ano após ano esse assunto gera polêmica, devido aos desfalques de peças importantes, que comprometem o trabalho dos clubes e causam grande comoção por parte dos torcedores e da mídia especializada.

Sempre muito relevante (inclusive foi tema de uma edição recente do podcast Na Área), o impacto dessas pausas no futebol proporciona um debate extenso, cheio de críticas, em um movimento quase coletivo das torcidas dos times afetados.

No entanto, as justificativas para os desfalques dos times partem do princípio de que na maioria das vezes a Data FIFA atrapalha o calendário. Mas quantas partidas os atletas jogam por ano por suas seleções? Será que realmente são essas partidas que fazem os nossos principais jogadores desfalcarem seus times?

É fato que em anos anteriores as ausências dos atletas prejudicavam diretamente as equipes do Brasil, já que o Campeonato Brasileiro não parava durante esses períodos. Mas, agora, com as pausas, a discussão deve partir para outras perspectivas.

Essa questão não possui uma solução simples, como muitas vezes é apontado: “Data FIFA tem que acabar!”. Não, ela não tem que acabar (e nem poderia). Toda a estrutura do futebol de seleções se volta para a maior competição esportiva que existe: a Copa do Mundo. Então ela também deveria deixar de existir? Acredito que não.

Neymar sofre lesão grave no joelho em jogo durante a Data FIFA. Foto: Simon Stacpoole

É importante lembrar que este problema é muito mais complexo e, por isso, exige medidas que busquem uma solução plausível e pertinente, de fato. O alto número de jogos e a intensidade altíssima do futebol moderno são grandes fatores que geram um maior desgaste e consequentemente o aumento das lesões, o que faz crescer também o número de desfalques, seja jogando pela seleção, seja pelo clube.

Ao analisar o cenário brasileiro, podemos notar o quanto é degradante para os atletas jogarem todos os campeonatos do nosso calendário, principalmente aqueles que disputam competições regionais — além das estaduais, nacionais e internacionais — como é o caso de clubes nordestinos e do Centro-Oeste, como Bahia, Fortaleza e Cuiabá.

Atualmente, as equipes têm a maior parte de seus calendários sendo composta pelos torneios locais, o que deveria ser o ponto central da discussão sobre o alto número de jogos. São previstas 38 rodadas do Brasileirão, muitas fases da Copa do Brasil com duelos de ida e volta, além de tantas outras datas reservadas aos estaduais. Assim, é essa soma de jogos que infla de fato a agenda brasileira.

A redução do número de partidas no nosso país deveria ser algo óbvio para os gestores da CBF, mas o que se vê ainda é uma forte estrutura que impede essa mudança. Há todo um mecanismo de controle desse cenário, já que os clubes não podem simplesmente se recusar a jogar, caso assim desejassem.

Pensando de forma otimista, poderia haver uma união dos clubes e atletas a fim de alcançar um bem maior. Mas, não é que acontece efetivamente. Apesar dos problemas, continuamos a ver a mesma visão egoísta de cada instituição quando se questionam problemas estruturais. Os mandatários seguem pensando apenas no próprio umbigo.

Gianni Infantino, presidente da FIFA, e Ednaldo Rodrigues, presidente da CBF. Foto: FIFA/CBF via Instagram

Outro obstáculo primordial para o esporte se adequar a tais demandas é o mercado financeiro. Como se tornou um produto muito rentável, o esporte passou a gerar muito lucro para as federações, que têm nos patrocinadores e nas vendas de direitos televisivos suas principais fontes de renda. Logo, quanto mais jogos, mais dinheiro.

Até mesmo mudanças nas regras do futebol têm acontecido para acomodar essa realidade, como é o caso do aumento do número de substituições. Mas são apenas medidas paliativas para algo que os cartolas não querem fazer de fato, que é mexer no bolso.

O ideal seria que eles se conscientizassem e adotassem novos caminhos para o futebol contemporâneo. No entanto, como sabemos que isso dificilmente acontecerá, as medidas podem partir de outros agentes do esporte. No Brasil, isso já é tema recorrente nas entrevistas de técnicos e jogadores. Na Europa, por exemplo, algumas figuras importantes, como Rodri e Pep Guardiola, já vêm demonstrando sua insatisfação com o novo calendário.

Talvez seja o início de um processo necessário de mudança. Isso deve ser refletido pelos dirigentes de todas as instâncias nacionais e internacionais com urgência, inclusive pela FIFPro, que é o sindicato internacional dos jogadores de futebol. Essa demanda não é nova e tampouco fácil de se resolver, mas tem solução. Cabe às pessoas competentes assumirem essa responsabilidade.