Foto: AFP – FAYEZ NURELDINE
De um campeonato irrelevante para uma fonte de craques do futebol mundial, entenda o crescimento da liga da Arábia Saudita
Há alguns anos, não se ouvia falar sobre o futebol árabe. Era uma liga tecnicamente muito fraca, e não atraía jogadores nem espectadores.
Porém, nos últimos tempos o cenário mudou repentinamente. No fim de 2022 Cristiano Ronaldo recebeu uma proposta milionária para jogar no futebol árabe, depois dele, Benzema, Kanté, Mané, Neymar, entre muitos outros jogadores foram jogar no Oriente Médio. Colocando, assim, um grande holofote na região.
Mas a pergunta que muitos torcedores fazem é: Como o futebol árabe cresceu tanto, em tão pouco tempo?
Antes de tudo, é preciso entender um pouco mais sobre o país. A Arábia Saudita está localizada no Oriente Médio, na Península Arábica, sendo um dos maiores exportadores de petróleo do planeta, um ponto essencial para entender esse cenário.
O petróleo é uma das principais commodities (termo que corresponde a produtos básicos globais não industrializados, ou seja, matérias-primas) atualmente, desde o asfalto até aroma artificial das balas utilizam seus derivados. Mas além de ser um recurso finito, sua extração tem grandes impactos ambientais, então a tendência é que o uso do petróleo diminua com o tempo.
Com isso vem o plano Saudi Vision 2030, anunciado pelo príncipe Mohammad bin Salman em 2016. O Saudi Vision tem como um dos principais objetivos diversificar a economia do país, em seus mais diversos âmbitos, e diminuir a dependência do país do petróleo. E é nesse contexto que entra o futebol.
O esporte é algo que atrai a atenção de todos, e o futebol é um esporte mundialmente conhecido e adorado em todos os continentes. Diante disso, o governo saudita comprou os quatro principais times do país: Al-Nassr, Al-Hilal, Al-Ahli e Al-Ittihad, que receberam um investimento bilionário para trazer grandes jogadores e, consequentemente, atrair mais a atenção do público.
Além de fortalecer a liga local, o país tem objetivo de sediar a Copa do Mundo de 2034. Com isso, a Arábia está buscando acabar com a supremacia europeia no futebol, com um poder aquisitivo muito grande, atrai primeiro os jogadores com salários astronômicos, para que, no futuro, além do dinheiro, o futebol árabe também seja convidativo pela sua qualidade.
Muitas pessoas afirmam que essa ascensão do futebol árabe será breve, e falhará assim como a tentativa da China de melhorar seu futebol. Nos mesmos moldes do plano Árabe, o governo Chinês fez grandes investimentos no esporte, mas por conta da pandemia global e de uma crise econômica acabou não tendo o sucesso no seu plano ousado.
Mas o caso da Arábia é diferente, dinheiro não falta, e há um plano econômico muito bem estruturado por trás, e é fato que esse plano, até agora, está dando certo. Os fãs de futebol estão começando a acompanhar a liga saudita para ver Cristiano Ronaldo, Neymar, entre outros grandes craques em campo.
Jogadores jovens, que teriam mercado na Europa, estão optando por jogar no Oriente Médio. O goleiro Bento, ex-jogador do Athletico, joga atualmente pelo Al-Nassr, vendido pelo valor de R$ 107 milhões. Além do goleiro brasileiro, Jota, jovem atacante português, após se destacar no Celtic, foi jogar Al-Ittihad. Cada vez mais a Arábia é vista como uma boa opção de carreira para os jogadores.
Com esse crescimento do futebol árabe, rapidamente, em 2023, a Band comprou os direitos de transmissão do campeonato, além do canal aberto, o Canal GOAT também adquiriu os direitos da competição, chamando mais a atenção do público brasileiro para a competição.
Entretanto, há pontos problemáticos por trás de tudo isso. A Liga Árabe é composta por 18 times, mas o investimento bilionário foi feito em apenas quatro equipes, causando assim desigualdade, já que os times que não participaram do plano do governo ficaram enfraquecidos. O Al-Shabbab, por exemplo, foi uma das equipes que se sentiram prejudicadas.
Mas os problemas vão para além das quatro linhas. Com esse plano a Arábia Saudita quer se apresentar pro mundo, sendo o epicentro da cultura muçulmana.
Para isso, eles precisam levar uma imagem mais leve do país, e esconder o cenário de preconceito que ocorre. Restrições de direitos às mulheres e ausência de leis contra a discriminação de gênero, entre outros pontos, inaceitáveis para o mundo atual.
Essa prática é denominada sportswashing, que consiste em um grupo, ou o Estado, buscar promover o esporte para melhorar sua imagem e desviar o foco de outras questões internas. Esse termo é uma variação de um já existente, o greenwashing, relacionado à promoção de discursos ambientais.
Com toda essa situação surgem críticas em relação aos jogadores que aceitam jogar no país. Jogadores com uma carreira já estabelecida, com fortunas milionárias, aceitarem jogar na Arábia, e no caso do Cristiano Ronaldo, ser um garoto propaganda da liga, em um lugar em que as mulheres não têm o mesmo direitos que o resto da população e a comunidade LGBTQIAPN+ é perseguida, o que causa revolta.
Como o esporte é um instrumento de promoção muito forte, relacionar sua imagem com a de um país que passou, e ainda passa por questões problemáticas em relação aos Direitos Humanos colocaria você a favor desse sistema. O futebol não está separado das questões geopolíticas e sociais, portanto, entender esses pontos é essencial para saber como o esporte caminha junto com a política mundial.