No último dia 2, O Brasil assistiu à consagração de uma mulher que, muito além do judô, conquistou o coração dos brasileiros de forma genuína. Beatriz Souza alcançou a maior glória esportiva de sua vida e trouxe uma mensagem de muito valor para todos.
Ela é a mais nova integrante na lista de nomes que já trouxeram medalha para o Brasil por meio do esporte que mais nos premiou em Olimpíadas: o judô. Essa modalidade já é mais que centenária e sua história nos Jogos Olímpicos está totalmente consolidada.
Em 1882, o japonês Jigoro Kano adaptou técnicas de combate já existentes para criar um modelo de luta que valorizasse principalmente a disciplina, o respeito e o aperfeiçoamento, com o objetivo principal de derrubar o oponente no solo. O esporte ganhou notoriedade e foi integrado pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) nos Jogos de Tóquio, em 1964, mas apenas em 1972 ele se firmou como esporte olímpico permanente.
Desde então, o mundo viu os maiores atletas da história do judô se consagrarem nas Olimpíadas. Entre os brasileiros, Aurélio Miguel foi o primeiro a conseguir a medalha de ouro, em Seul 1988, seguido por Sarah Menezes em 2012 e Rafaela Silva em 2016. Cada atleta venceu em sua respectiva categoria, que é determinada por gênero e peso corporal.
História e ascensão na carreira
Desde cedo, a trajetória de Bia Souza esteve muito ligada ao judô por conta de seu pai, Poscedonio José de Souza Neto, que é ex-judoca e, claro, teve influência na vida da filha. Aos 7 anos, ela pisou pela primeira vez no tatame em sua cidade natal, Peruíbe, até se destacar e chegar a São Paulo. Inicialmente, treinava pelo Palmeiras e, em seguida, migrou para o Pinheiros, seu clube até hoje. Durante a adolescência, o crescimento dela foi constante e a carreira decolou.
O talento de Beatriz era tão grande que ela foi rapidamente alçada aos principais palcos do judô. Em 2017, na cidade de Budapeste, pela primeira vez subiu ao pódio em um campeonato mundial: conquistou a prata na disputa por equipes. Já em 2021, na mesma cidade, ela venceu o bronze na categoria individual. Além disso, Bia também coleciona outras medalhas em mundiais e em várias edições do Campeonato Pan-Americano de Judô.
Ainda em 2021, Beatriz esteve nas Olimpíadas de Tóquio como suplente de Maria Suelen, que, após a aposentadoria, viria a ser sua treinadora. Aos 26 anos, Bia Souza chegou a Paris como quinta colocada no ranking mundial e foi uma das cabeças de chave da competição. Entretanto, como nem tudo são boas notícias, a judoca sofreu e tratou de uma lesão no cotovelo antes dos Jogos Olímpicos, causada pela repetição de movimentos. Além disso, relatos de seu marido, Daniel Souza, deram conta de que ela possui um problema no quadril que ainda não foi tratado.
Porém, é em momentos de maior dificuldade que os gigantes se destacam no esporte. Mesmo com essas questões, ela se superou e competiu em um nível de excelência, considerando o patamar de dificuldade das suas adversárias, que foram algumas das melhores do ranking mundial.
A consagração
Em uma campanha que exigiu o seu máximo a todo instante, ela derrotou as primeiras colocadas do ranking, Dicko e Hershko, na semi e na final individual, respectivamente. Bia esbanjou técnica, determinação e mentalidade campeã desde o início da competição, sendo que sua única derrota nos Jogos de Paris ocorreu na semifinal por equipes. Entre atletas brasileiros, ela é a primeira mulher estreante a ganhar uma medalha em provas individuais e também fez parte da inédita medalha por equipes — o bronze.
Suas conquistas são fruto de uma carreira de batalhas que agora fazem dela uma figura imortal do esporte brasileiro. É a coroação de quem um dia se viu dividida entre o tatame e as piscinas (sim, ela quase seguiu o caminho da natação), mas que se encontrou nas artes marciais.
E, tratando-se do Brasil, poucas coisas no mundo dos esportes podem ser tão grandes quanto ganhar um ouro olímpico, mas nem isso pode definir a grandiosidade da trajetória de uma atleta para chegar até lá — principalmente quando se representa toda uma luta pela inclusão. Como mulher negra, ela é uma em meio a tantas outras que querem (e poderiam) chegar ao topo, mas que ainda se veem diante de barreiras impostas apenas por serem quem são.
Assim, Bia não é apenas uma campeã, mas uma grande inspiração e uma voz fortíssima para muitas e muitos de seus conterrâneos que lutam todos os dias para serem aceitos e reconhecidos. Uma mulher que, além de todos os feitos dentro do tatame, ainda se lembra de onde veio e a quem representa. “Deu certo, mãe. Pai, eu consegui. Foi pela avó (falecida).” — disse ela emocionada, em ligação durante entrevista após o ouro.
Mesmo em seu maior momento de glória, ela não esqueceu de quem a ajudou a chegar até aquele instante. Lembrou-se de valorizar suas lutas e se mostrou muito ciente do papel que representa como atleta e medalhista olímpica. Ela, que era pouco conhecida pelo grande público, passou por uma ascensão meteórica e agora grava seu nome na eternidade do esporte nacional. Beatriz Souza, campeã olímpica de judô.