Nada é maior que uma instituição, nem mesmo o orgulho de seu presidente 

Foto: Alexandre Vidal/Flamengo

Por Sandro Filho

Desde o ano de 2019, quando Jorge Jesus chegou ao Flamengo e revolucionou a equipe carioca de todas as maneiras possíveis, dentro e fora de campo, nas arquibancadas e nos corredores do Ninho do Urubu, a torcida rubro-negra tinha a certeza que estava diante do maior treinador de sua história. Mais que os títulos conquistados e o desempenho dentro de campo, Jesus não criou uma nova cultura, ele entendeu o que significava ser Flamengo e reacendeu a chama rubro-negra que há muito estava apagada. 

Apenas a possibilidade, mesmo que remota, de um retorno do técnico multicampeão foi o suficiente para fazer a torcida rubro-negra puxar o coro de “Olê olê olê, Mister, Mister” que estava guardado em seu peito desde o início de 2020 quando a separação ocorreu, mesmo tanto tempo depois, a melodia era a mesma, o ritmo se encontrava em perfeita harmonia. 

Porém, outro português atendeu o chamado. 

Com uma impaciência disfarçada pelo orgulho, sem a possibilidade de esperar alguns dias para sacramentar o retorno do principal responsável pelos momentos de maior glória da equipe neste século, a diretoria do Flamengo descartou Jesus e trouxe Paulo Sousa. 

O conterrâneo do Mister provou em poucos meses que de semelhante com seu antecessor havia apenas a nacionalidade. 

Um fracasso, sem títulos, tal como Domènec Torrent e Renato Gaúcho, ambos minados de seus cargos em pouquíssimos meses, assim como Rogério Ceni, que, mesmo campeão, não era o suficiente. Com todo esse impacto causado quase que imediato, obviamente a sua saída seria extremamente sentida, ainda mais vindo antes que o esperado. 

Um ano à frente em relação à sua chegada, um mês após estender seu vínculo contratual e renovar a certeza de que a dinastia rubro-negra permaneceria, Jorge foi embora. 

Nesse artigo, sempre que eu disser Jorge, me refiro ao Jorge Fernando Pinheiro de Jesus enquanto pessoa, o treinador, Jesus, é completamente diferente, você vai entender. 

Uma pandemia aconteceu, algo muito maior que o futebol ou qualquer outra coisa. Sem sua família, longe de sua casa, o português teve que abrir mão do maior acerto de sua carreira, algo que sem dúvidas o machucou tanto quanto os mais de 40 milhões de rubro-negros espalhados pelo globo. 

Após o divórcio, ambas as partes nunca mais foram as mesmas. 

Entre acertos e (muitos) erros, o Flamengo se manteve gigante. Foi campeão, levantou taças importantes, taças que nem mesmo Jesus conseguiu conquistar durante sua passagem. Porém faltava algo.

Mesmo com as voltas olímpicas anuais, o time não possuía mais aquela magia, aquela certeza que somente Jesus conseguia incorporar em sua equipe. Certeza de que, mesmo se o resultado não viesse, não faltaria vontade, não faltaria disposição e muito menos luta. Luta essa que foi a principal característica do maior título da história do Flamengo, luta que Jesus carregava em seu sangue. 

E se o Flamengo não viveu seus melhores dias, Jesus também não viveu.

Uma passagem no Benfica longe do esperado, marcada por eliminações precoces, atritos com a torcida, dirigentes e jogadores, algo inimaginável no ano de 2019, quando o técnico estava em perfeita sintonia com essas três frentes.

E então os primeiros rumores para uma possível recaída começaram. 

Jesus havia elevado o patamar do cargo de treinador do Flamengo para um nível que parecia que somente ele poderia alcançar. Mesmo com o mesmo elenco, com as mesmas estrelas e com a adição de novas peças para a constelação rubro-negra, o fantasma do Mister assombrava todos que comandavam o clube carioca. Parecia ser impossível chegar até mesmo perto do que Jesus apresentava, até que um outro velho conhecido chegou para exorcizar os fantasmas que rondavam o Ninho do Urubu.

Sob o comando de Dorival Júnior, o Flamengo retornou à Glória Eterna, deu voltas olímpicas e fez a torcida rubro-negra sentir um pouco do que havia sentido em 2019. Bom, um pouco. 

Mesmo com os títulos da Libertadores e da Copa do Brasil, faltava algo. Faltava a magia que apenas a equipe do Mister poderia proporcionar. Bom, tal insatisfação era uma espécie de tiro no escuro, afinal, e se o que aconteceu em 2019 não se repetisse mesmo sob o comando de Jesus? E se o português retornasse e não conseguisse extrair o máximo de seus jogadores agora envelhecidos? Para uma parte da torcida do Flamengo, esse era um preço que era justo de pagar, tendo Jesus, os astros se alinhariam de alguma forma. 

Agora, para outra parte, Dorival era o nome da vez. Ele, que fez questão de estar na equipe, que aceitou o desafio e o cumpriu. Para que mexer em time que está ganhando? 

Porém, para a diretoria rubro-negra, não era esse 8 ou 80, tinha um meio termo, um meio termo que possuía um nome e uma missão: Vítor Pereira. Sua função? Mostrar que sim, os dirigentes na frente do futebol do Flamengo poderiam errar mais uma vez, dessa vez, o maior erro da gestão até então. 

Dispensando Dorival de uma maneira extremamente covarde e acertando com o antigo treinador do Corinthians, não há uma explicação clara para o porquê dessa movimentação da diretoria do Flamengo. O resultado? Cinco títulos perdidos em cinco oportunidades nos quatro primeiros meses de 2023. 

Mais uma demissão, mais um fracasso. E então a segunda recaída chegou.

No momento que este artigo está sendo escrito, a diretoria rubro-negra tem conversas em andamento com Jorge Jesus, que está no fim do seu contrato com o Fenerbahçe, algo que parece meio óbvio, certo? Em qualquer cenário hipotético, a melhor opção seria o retorno daquele responsável pelas maiores glórias recentes na história do clube. Porém, não para o presidente Rodolfo Landim. 

Com o seu orgulho ferido devido à saída do português em 2020, Landim não via em Jesus a prioridade para assumir o posto de treinador do Mais Querido. As negociações estão ocorrendo devido à enorme pressão vinda da torcida rubro-negra que clama pelo retorno de um dos maiores ídolos dessa geração. 

As notícias relacionadas à resistência do presidente rubro-negro reforçam que os problemas do time da Gávea vão muito além do que acontece dentro das quatro linhas, aqueles que estão no poder do clube mais popular do país gerem a instituição de acordo com o próprio ego, colocando suas vontades e pensamentos acima do CRF bordado no peito de mais de 40 milhões de torcedores. 

Ainda não há uma certeza se o casamento entre Jesus e Flamengo será restituído, muito menos se tal união dará certo novamente. Essa não é a questão deste artigo. 

O orgulho de Rodolfo Landim jamais deveria ser tema de manchetes, nenhum dirigente ou jogador, nada jamais estará acima da instituição. Seja Flamengo, Palmeiras, Cruzeiro, Grêmio ou qualquer outro clube. No fim, sofre o torcedor, refém do ego de dirigentes que jamais entenderiam a paixão de alguém que abriria mão de tudo para o bem de seu time.

* Este texto não reflete a opinião do Na Área, toda responsabilidade cabe ao autor do texto.