Para um americano, tornar-se um jogador da NBA (National Basketball Association) está e sempre estará na lista dos seus maiores sonhos. Jogar ao lado de símbolos da história do esporte, ter a sua chance de conquistar o planeta como protagonista, olhar de cara a cara os seus ídolos… como atleta, não existe outra convicção a não ser jogar na maior liga do esporte da bola laranja do mundo. Segundo os próprios estadunidenses, não há outra no mesmo nível.
No entanto, a verdadeira realidade não está aos olhos apenas de 333 milhões de pessoas, mas nas outras 7,6 bilhões que lotam toda Terra. A vida americana, recheada de patriotismo e puro egocentrismo, pode não entender que o planeta gira de forma regular para todos os países. Não é atoa que a NBA, sua tão querida competição de basquete, hoje, possui em seu “top três” apenas atletas de nacionalidades estrangeiras – fora do eixo de rotação da terra norte-americana.
Ora, então por que os holofotes estão sempre mirados para o basquete estadunidense? Afinal, a NBA não é uma Copa do Mundo ou sequer as Olimpíadas. Tal questionamento, entretanto, esquece de destacar dois pilares primordiais da sustentação esportiva americana: a estrutura esquemática e profunda, de forma social e cultural, e – o grande motivo da relação do esporte com o indivíduo – o entretenimento.
Primeiro, diferentemente de outros países – inclusive o Brasil – os Estados Unidos alavancam o esporte por meio de políticas públicas que incentivam a prática, permitindo o ingresso em grandes escolas e universidades de alto padrão, o que aumenta drasticamente o nível dos esportes no país. Segundo, não podemos deixar de notar como a sociedade paira em um espetáculo, onde o entretenimento gera ainda mais renda do que a própria venda desenfreada, o que é bem aproveitado pelos “donos do mundo”.
O fato é: a NBA é a liga de basquete mais obcecada por todos os atletas, incluindo brasileiros. Mesmo assim, poucos tiveram a oportunidade de chegar ao torneio e consolidar sua carreira, e mais poucos ainda o seu nome.
Apesar disso, o significado de “fazer história” é diferente para cada contexto avaliado, principalmente quando se trata de situações fora do controle de muitos atletas.
É o caso de Raul Togni Neto, o único rosto brasileiro por um bom tempo na maior competição de basquete do mundo.
HISTÓRIA DO JOGADOR
Nascido em Poços de Caldas, município de Minas Gerais, Raul destrinchou sua vida no basquete desde cedo, já que seu pai, Raul Togni Filho, sempre o incentivou e o inspirou a ser jogador. Com o início da sua trajetória na cidade de Bauru, em São Paulo, e após a contratação de seu pai como técnico em Belo Horizonte (BH), Raulzinho se juntou ao time do Minas Tênis Clube.
A estreia de Raul no profissional ocorreu em 2008, onde o tradicional time de BH disputou a antiga Liga das Américas, ficando em 4º lugar na competição. Após mais duas temporadas, o atleta foi chamado para representar a Equipe Mundial no Nike Hoop Summit, campeonato em que são reunidos os principais talentos do basquete mundial de até 19 anos.
Posteriormente, em 2011-12, Raulzinho chegou ao Gipuzkoa Basket, da Espanha, após ter feito uma temporada com média de 12,6 pontos e 2,2 assistências por partida. Tudo isso atuando como sexto homem em Minas.
Em boa temporada pelo time espanhol, Raul Neto foi escolhido pelo Atlanta Haws com a 47º escolha geral do Draft de 2013 e negociado para o Utah Jazz na mesma noite. Contudo, o destino quis que ele retornasse ao Gipuzkoa em 2013-2014 e, no meio de 2014, tornou-se novo jogador do UCAM Murcia. Na região de Murcia, Neto recebeu a proposta de ingressar efetivamente na NBA pelo Utah Jazz, assinando um contrato de três anos e US$ 2,7 milhões.
Com a chegada de Mike Conley, Raulzinho se transferiu ao Philadelphia 76ers. No entanto, após um ano na franquia do estado da Pensilvânia, Raul arrumou suas malas e foi jogar em Washington, pelo Wizards até 2022, época em que assinou com o Cleveland Cavaliers. E, em 2023, Neto foi oficializado no Fenerbahçe da Turquia, sua atual equipe.
Tá… mas o que Raulzinho tem a ver com as Olimpíadas de Paris?
Apesar da falta de oportunidades, Raul Togni Neto foi o único rosto brasileiro dentro da maior competição de basquete do mundo por um bom tempo. Isso apenas reflete sua qualidade e mentalidade, que ficam evidentes, de fato, em sua carreira na Seleção Brasileira.
Desde muito cedo, Neto foi considerado geracional no Brasil: um atleta com alto padrão em relação aos investimentos e a importância do basquete brasileiro – que eram muito abaixo na época e, em algumas partes, até hoje.
Raulzinho vestiu a amarelinha desde muito cedo, mas ganhou notoriedade depois de liderar a seleção sub-18 para um vice-campeonato Sul-Americano em 2010. Aos 18 anos, ele era o mais jovem de toda a equipe convocada para o Campeonato Mundial.
Depois, foi escalando pico por pico, disputando os Jogos Olímpicos de 2012, o Campeonato Sul-Americano de 2013, o Mundial de 2014, as Olimpíadas de 2016 e, claro, a Copa do Mundo, torneio em que teve uma atuação de excelência, onde foram marcados 21 pontos contra a carrancuda Argentina, sempre difícil de ganhar no quesito basquete.
No entanto, nem só de vitórias um brasileiro vive, mas de nuances, gargalos e obstáculos que o cerceiam. Nesse caso, suas fragilidades surgiram de seu próprio corpo: em 2023, Raulzinho saiu lesionado do primeiro jogo da Copa do Mundo de Basquete, rompendo o tendão patelar do joelho direito – lesão de difícil recuperação.
Mesmo assim, Raulzinho sempre se manteve próximo aos feitos, sejam ruins, seja bons, da seleção brasileira. Na mesma Copa do Mundo, de 2023, o Brasil perdeu sua chance de conquistar uma vaga nas Olimpíadas, sendo derrotado por 104 a 84 pela Letônia e dando adeus já na segunda fase da competição.
No entanto, estava lá Raul Neto, aos 32 anos, ajudando na construção de novas mentalidades e no desenvolvimento esportivo dos jovens atletas brasileiros, como Gui Santos – jogador do Golden State Warriors.
Machucado, Raul continuou integrado à seleção e foi estabelecendo ritmos para retornar às quadras. Entretanto, o atleta não voltou antes do torneio classificatório pré-olímpico – a segunda chance brasileira.
E foi lá que tudo se encaixou perfeitamente. Apesar derrota inusitada para Camarões, a seleção enfileirou vitórias contra Filipinas, Monte Negro e Letônia, garantindo a passagem de ida aos Jogos de Paris.
Assim, Raul Togni Neto terá grandes chances de estar na linha de frente, entre os principais jogadores do mundo. Com o retorno agendado, Raulzinho se destacará novamente e voltará a ser fundamental para bons jogos nas Olímpiadas de 2024.
Porque, afinal, “fazer história” para os Estados Unidos é ganhar “só” mais uma medalha de ouro. Enquanto para nós, cada cesta na cidade do amor é um passo para exibir o nosso esforço e a nossa capacidade.