Foto: FRANCK FIFE/AFP
O prêmio, que já foi o maior palco individual para um jogador de futebol, acabou se tornando apenas um troféu oferecido por conveniência.
Na noite desta última segunda-feira (28), o mundo conheceu o vencedor da Bola de Ouro da temporada 2023/24. Brasileiros e fãs ao redor do mundo tinham uma expectativa clara, mas que não foi atendida.
Rodri, o jogador escolhido para o prêmio, não foi considerado o melhor em seu clube e nem em sua seleção nas competições que disputou, enquanto Vinicius Júnior, que teve uma temporada brilhante, foi novamente deixado de lado, o que gerou uma outra sensação de injustiça.
A história da Bola de Ouro sempre teve suas controvérsias. Até 1995, apenas jogadores europeus podiam concorrer, e, quando o prêmio foi aberto a atletas de fora da Europa, o liberiano George Weah foi o primeiro não-europeu e único africano da história a vencer.
Desde então, as polêmicas envolvendo a premiação só aumentaram: exemplos incluem Cannavaro em 2006 e Modric em 2018, além de algumas edições em que até as vitórias de Messi e Cristiano Ronaldo foram questionadas. Parece que a France Football, FIFA, UEFA, ou qualquer que seja a entidade responsável pelo prêmio, nunca conseguiu torná-lo completamente justo e transparente.
Para talvez entendermos melhor o que levou Vinicius Júnior a perder o prêmio, precisamos saber como é feita a votação para esse tipo de evento.
A própria France Football define os 30 melhores do planeta e, a partir daí, o prêmio está nas mãos de cerca de 100 jornalistas ao redor do mundo. O representante brasileiro nos últimos anos foi Cléber Machado.
“A Bola de Ouro? Uma reunião de jornalistas e pessoas que votam em seus amigos!”
-Johan Cruyff.
Essa frase de um dos maiores jogadores europeus de todos os tempos e detentor de duas Bolas de Ouro reflete bem o que é o prêmio. Os votantes passaram a escolher os jogadores meramente por interesses, sejam eles comerciais ou pessoais, permitindo que favoritismos ou até mesmo preconceitos impeçam que votem em quem realmente foi o melhor.
As duas principais premiações individuais do futebol, o The Best (que será renomeado para “FIFA Awards” no próximo ano) e a Ballon D’or, têm sistemas controversos de escolha, em que influências como amizades ou até mesmo antipatias podem acabar definindo o vencedor.
O último vencedor da Bola de Ouro foi Lionel Messi, cuja atuação histórica na Copa do Mundo de 2022 rendeu o prêmio, merecidamente. Meses depois, no entanto, de forma inexplicável, o argentino também venceu o FIFA The Best, premiação que nem sequer fez questão de receber ou comentar, o que gerou ainda mais questionamentos sobre a sua legitimidade.
Essas premiações são distintas: o The Best é organizado pela FIFA, que em anos passados já colaborou com a France Football para a Bola de Ouro, que desta vez se aliou à UEFA.
No caso da Bola de Ouro 2023, Messi venceu principalmente pelo seu desempenho na Copa do Mundo, o que justificou seu oitavo troféu, afinal, o que ele fez no Mundial é algo raro de se ver na história do futebol.
Mas o que justifica o The Best? Absolutamente nada. O recorte de análise do prêmio deveria ter sido a partir do fim da Copa do Mundo, mas, após o Mundial, Messi teve uma atuação discreta pelo PSG, e depois foi para o Inter Miami, numa liga (MLS) que dificilmente sustentaria o título de “melhor do mundo”.
A questão é: por que essa discussão se torna relevante? Porque o que aconteceu com Messi no The Best expõe os problemas que cercam premiações desse tipo? Na Bola de Ouro 2024, por exemplo, um jornalista argentino foi excluído da votação por votar apenas em conterrâneos para os prêmios, demonstrando uma clara falta de imparcialidade.
Esses votantes frequentemente valorizam eventos que não necessariamente tornam alguém o “melhor do mundo”. Exemplos disso são Cannavaro em 2006 e Modric em 2018, cujas performances em Copas foram supervalorizadas. Cannavaro jogou mais que Zidane ou Ronaldinho em 2006? Modric superou CR7, Salah e Griezmann em 2018? Claramente não.
Esse desequilíbrio de critérios aponta para um sistema que, no fundo, parece mais interessado em privilegiar seus favoritos do que em premiar o melhor jogador de fato.
No auge, Messi e Cristiano Ronaldo tinham os chamados “votos automáticos”: em caso de dúvida, o voto ia para um dos dois. Mesmo eu acreditando que ambos mereceram todos os prêmios que já receberam, isso demonstra como essas premiações não se baseiam apenas no talento.
Eles favoreceram jogadores com grande influência e respaldo dos “engravatados” envolvidos no processo – algo que, infelizmente, Vinicius Júnior ainda não conseguiu alcançar, e provavelmente nem vai.
O jornalista espanhol Lluis Miguelsanz, do Diario Sport, deu uma declaração que talvez explique melhor a derrota do brasileiro. Isso nos faz refletir sobre essas premiações, se realmente contemplam o “melhor” ou se estão mais ligadas a uma série de interesses e influências que vão muito além dos campos.
“Suas reclamações constantes e suas provocações, seus atos reprováveis no campo e a sensação de que ele não aprende seguramente tiraram votos [de Vinicius Júnior]”
A frase de Lluis Miguelsanz expõe bem a forma como muitos europeus veem Vinicius Júnior: alguém que, por sua personalidade e postura, acabou perdendo votos.
O brasileiro, que é visto por muitos como o melhor jogador do mundo atualmente, simboliza uma resistência que vai além do futebol. Suas provocações, reações a injustiças e a luta contra o racismo geraram pontos de atrito com parte da mídia europeia.
Na premiação, a vitória de Rodri pode ser interpretada como uma decisão que reflete interesses de quem a organiza, e há quem enxergue isso como uma questão de valores. Rodri, europeu e branco, levar o prêmio sobre um brasileiro negro certamente sugere uma escolha que simboliza preferências culturais e institucionais.
É importante ressaltar que Rodri também pode ser uma vítima dessa história. É provável que, a partir de agora, bem como aconteceu com Modric, Rodri sofrerá represálias pelo resto de sua carreira por causa desse prêmio. Mas é claro que, como jogador, é do interesse dele estar em tal palco no futebol mundial, assim como é do interesse do City ter um “melhor do mundo” em seu elenco.
Independentemente das consequências negativas, eles ganham mais do que perdem, e o futebol sai como o principal derrotado, ao contrário do que foi proferido pelo próprio Rodri em seu discurso: “o futebol venceu”.
No fim, o mundo do futebol sabe quem é o verdadeiro melhor do mundo. Vinícius Júnior e o Real Madrid entendem que uma premiação meramente comercial não define isso, reforçando a magnitude do clube que sequer compareceu à conferência. “Não vamos aonde o Real Madrid não é bem-vindo.”
Vinícius Júnior continua, sem dúvida, confrontando figuras de autoridade e celebrando suas conquistas no campo. De São Gonçalo para o mundo, ele continuará a bailar.
“Eu farei 10x se for preciso. Eles não estão preparados”
– Vinícius Jr.
O melhor jogador do mundo inicia mais uma temporada como sempre: sendo o melhor. Eles não estão preparados, Vini. Certamente, eles não estão preparados.
Este também foi o tema do último episódio do Podcast Na Área. Para acessar o episódio completo, basta clicar aqui.