Imagem: Hernandez/GettyImages
Por Ricardo Duarte, Coordenador do Projeto Na Area/UFV, De Santiago/Chile.
O Chile se orgulha de ser um país organizado em termos de segurança pública. De fato, você pode andar por aqui, em Santiago, com bem menos medo de ser assaltado na rua do que em algumas capitais do Brasil. Mas o que parece ter ficado claro ontem, quinta-feira 10 de abril, é que não dá mais para as famílias chilenas, residentes e turistas irem a um estádio de futebol no Chile. Bom, pelo menos quando for jogo do Colo-Colo.
O que vimos nesta quinta foi uma completa selvageria por parte de alguns torcedores. Nas ruas da capital Santiago, passavam vários ônibus com torcedores do Colo-Colo nos tetos dos veículos, que rodavam de portas abertas. Só essa cena já era um aviso do que poderia ocorrer na partida contra o Fortaleza, partida válida pela Copa Libertadores. A temperatura quente dos torcedores contrastava com a noite gelada de 10 graus. E no 2 tempo alguns torcedores começavam a arremessar objetos no gramado, ferragens pontiagudas e pedras grandes foram lançadas no campo. Houve invasão do campo. E o jogo parou.
Mas afinal o que aconteceu? Certamente o motivo não foi o Fortaleza.
O que aconteceu dentro do campo foi reflexo do que ocorreu fora, nas ruas, pouco antes da partida. Conforme o La Tercera e o Canal Chilevisión, a invasão aconteceu porque dois jovens torcedores do Colo-Colo (uma adolescente de 18 anos e uma criança de 13) morreram atropelados pelos Carabineiros (polícia chilena) em uma confusão antes do jogo. Relatos de testemunhas afirmam que houve um tumulto de torcedores que tentavam entrar à força no estádio e um veículo dos carabineiros começou a lançar gás lacrimogêneo e, desta forma, atropelou e matou os jovens. A este incidente, que também deixou vários feridos e presos, somou-se o que aconteceu em campo. A partir de então a torcida, em sua grande maioria formada por jovens, começou a protestar, lançando objetos no gramado, quebraram o vidro de segurança e invadindo o campo.
É bom salientar que quando a Universidade de Chile ganhou do Botafogo, no início de abril, a cidade não registrou tumultos. (talvez por que os torcedores chilenos ficaram atônitos por terem ganhado do campeão brasileiro e da libertadores, pois havia uma expectativa no Chile muito mais para ver o Botafogo jogar do que pela vitória incerta da UChile). Mas como dizem os chilenos acá, 80% dos habitantes do país torcem pelo Colo-Colo. Só que o caliente fanatismo dos torcedores do Colo-Colo contrasta com a gelada campanha dos times chilenos nas edições da Copa Libertadores: o último título foi em 1991.
A história do Chile é marcada pela Ditadura de Pinochet e os Carabineiros são um resquício desta época. Em 1985, dois jovens revolucionários foram assassinados pela polícia do ditador. E, de lá para cá, todo o dia 29 de março é lembrado como o Dia do Jovem Combatente. Irônico que, agora em 27 de abril, se comemora o Dia do Carabineiro. Na minha opinião, em um país onde os estudantes e os carabineiros não se bicam, todo conflito seria como um rastilho de pólvora em mato seco.
Não se sabe se a Conmebol vai a interditar o mais famoso e histórico estádio do Chile, o Estádio Monumental, estádio de muitas alegrias e polêmicas. Mas se espera algum dia que as autoridades chilenas se orgulhem também da organização e da segurança que venham a realizar nos estádios chilenos.