O fã vira produtor cultural na era da convergência digital

Especialistas em cultura falam sobre as dinâmicas desenvolvidas na indústria cultural com o fortalecimento das atividades dos fandoms e o nascimento dos escritores de fanfics, verdadeiros criadores e produtores culturais

As pessoas podem gostar tanto de uma série, de um livro, de um produto cultural ou de uma personalidade a ponto de se tornarem fãs ou até mesmo fanáticos. Trata-se de uma prática antiga, mas que tem ganhado novas formas com o avanço da tecnologia, especialmente a partir da década de 1960. Desde então, os fãs começaram a se organizar em grupos que ficaram conhecidos como comunidades de fãs ou fandoms, termo em inglês cuja tradução literal é reino dos fãs. 

Esse modelo de organização foi potencializado pela Internet e com a convergência midiática que fez com que as interações se tornassem cada vez mais rápidas e, especialmente, realizadas por meio de multiplataformas digitais. Hoje, as redes sociais digitais estão superpovoadas por fãs ávidos, trabalhando 24 horas por dia na produção, no consumo e no compartilhamento de conteúdos relacionados a produtos culturais ou aos ídolos adorados. 

De acordo com o pesquisador e doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), Eloy Vieira, o que diferencia um fandom de um grupo urbano qualquer é o fato de que seus integrantes são pioneiros ao se apropriarem de potencialidades tecnológicas para criar tendências na indústria cultural, tanto no consumo quanto na produção do que ficou conhecido como fanfiction ou fanfics, que são as produções feitas pelos fãs. 

Nesse gênero, o leitor fã imerge no universo da obra ou do ídolo por meio da criação de narrativas em um cenário almejado relacionado ou não ao da obra, promovendo interações entre personagens existentes e novos personagens ou, até mesmo, com a inserção do próprio fã na história. Respeitando os direitos autorais, a prática configura-se como um exercício de criatividade e entretenimento para a comunidade de fãs.

FÃ X INDÚSTRIA CULTURAL

Para compreender essa nova realidade e a complexidade dessa dinâmica social estabelecida entre os fãs e a indústria cultural, especialmente propiciada pela convergência midiática, o OutrOlhar entrou em contato com pesquisadores da área de Comunicação e Cultura de Fãs, a doutora em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Sarah Moralejo da Costa; com o doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), Eloy Santos Vieira; e a doutora em Ciências da Comunicação pela Unisinos, Giovana Santana Carlos. Os três explicaram como as relações sociais e os meios de consumo são influenciados por essa nova onda de fãs produtores.

Sarah Moralejo da Costa concentra suas pesquisas em aspectos relacionados à cultura de fãs e às audiências no contexto de convergência midiática, voltando seu olhar para os processos de produção participativa e para o desenvolvimento de conteúdo audiovisual para a web. Apaixonada pelo assunto, a pesquisadora contou suas experiências como fã que participou de fandoms e como observadora analítica das dinâmicas com as quais teve contato. Confira a entrevista:

Sarah Moralejo da Costa, doutora em Comunicação 
Reprodução: Sarah Moralejo

OutrOlhar: Como você se apresentaria para nossos leitores?

Sarah Moralejo:

OO: Em sua tese, o fandom estudado, O Hobbit, é descrito como uma comunidade organizada e interpretativa. Como você compreende a dinâmica dos fandoms

SM:

OO: O autor do livro O Hobbit, J.R.R. Tolkien, criou diversos idiomas próprios dentro do seu universo de livros, olhando para a linguagem própria utilizada dentro dos fandoms com palavras que assumem significados característicos de cada comunidade. De acordo com suas pesquisas, há a compreensão de que cada fandom possui sua própria linguagem inventada e dinâmica social internalizada?

SM:

Eloy Santos Vieira, integrante do Grupo de Pesquisa em Cultura Pop (Cultpop), dedica-se à pesquisa na interseção entre cultura pop, comunicação e  tecnologias. Com esse propósito, ele utiliza múltiplos aportes teórico-metodológicos para pensar o papel da cultura pop no contemporâneo e suas relações entre performances, materialidades, mídias, culturas urbanas e estéticas.

Assim como a Moralejo, Vieira também participa de fandoms e compartilha sua visão profissional e pessoal. Confira a conversa com o pesquisador:

Eloy Santos Vieira, doutor em Ciências da Comunicação 
Reprodução: Iris Borges

OutrOlhar: Conte um pouco sobre você e seu trabalho.

Eloy Vieira:

 OO: O que te levou a pesquisar o tema? Já participou ou participa de algum fandom?

EV:

OO: Você acredita que os fandoms possuem formas únicas e internalizadas de comportamento, comunicação e interpretação da realidade? 

EV:

Já a doutora Giovana Santana Carlos, que também faz parte do  Laboratório de Pesquisa da Cultura Pop, trabalhou em sua tese os fandoms de romance, enfatizando sua pesquisa no público feminino e em como o consumo dos romances é predominante entre as mulheres. Acompanhe a conversa com a pesquisadora:

Giovana Santana Carlos, doutora em Ciências da Comunicação
Reprodução: Giovana Santana Carlos

OutrOlhar: Como é seu trabalho e sua linha de pesquisa?

Giovana Carlos:

OO: O que te levou a escolher o tema de sua tese?

GC:

OO: Na sua pesquisa, você foca principalmente no público feminino,  por que exatamente? 

GC:

CÁH SODRÉ: DE LEITORA A ESCRITORA DE FANFICS

Para além de quem estuda, o OutrOlhar também conversou com quem produz fanfics: Camila Sodré, jornalista, escritora e roteirista. O bate papo buscou compreender a atividade por uma outra perspectiva, focando na multiplicidade de perfis envolvidos no mundo dos fandoms. Sodré é autora de dois livros publicados pela editora P.S Dois Pontos – À milésima vista e Até parece fanfic – e utiliza o apelido Cah Sodré em suas fanfics no site fanficobsession.com.br

Camila Sodré, jornalista e escritora
Reprodução: Instagram @cahsodré

Conforme Cah Sodré, sua paixão pela escrita a levou para a faculdade de Jornalismo. No meio do caminho, as comédias românticas contribuíram para a construção de uma carreira como escritora e produtora de projetos audiovisuais. A autora conta que ser fã sempre foi uma característica marcante de sua personalidade, mas fazer parte do fandom da banda de pop rock britânica McFly foi fundamental para sua construção como escritora. 

A participação em comunidades diversas que possuem os mesmos interesses por livros e bandas e a dedicação ao mundo dos fandoms desde sua adolescência, conforme reflete, foi uma experiência que também contribuiu para que conquistasse muitas amizades duradouras desde então. Segundo Camila Sodré, algumas de suas melhores amizades foram feitas por causa da banda inglesa e “foi sensacional poder assistir junto com essas pessoas aos shows do retorno do McFly ao cenário musical em 2022”, revelou.

Camila Sodré também contou suas motivações para escrever fanfics: o amor às práticas de leitura e escrita sempre estiveram presentes desde sua infância. Por isso, seu início no mundo da ficção de fã foi como leitora, antes de descobrir as fanfics alternativas – as histórias feitas com códigos de programação que permitem ao leitor se inserir com nome, sobrenome e outras características, e se encantar. 

Após procurar uma narrativa ou uma história específica sem êxito, Cah Sodré decidiu que escreveria, ela mesma, aquilo que desejava consumir. A decisão trouxe ainda mais amizades e leitores, o que a fez escrever fanfics ativamente durante alguns anos até a publicação de seu primeiro livro, baseado em uma de suas histórias, em 2017.

COMECE A LER:

Para quem deseja entrar no universo das fanfics, segue uma pequena lista de indicações: 

  1. Summertime por Cah Sodré
  2. Who’s That Guy? por Cah Sodré
  3. Storm Warning por Cah Sodré 

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