Você é o que você veste: o streetwear como forma de expressão

O estilo, com mais de 40 anos de história, tem conexão com esportes radicais, mas também com movimentos de contracultura como funk, hip-hop, heavy metal e punk. No Brasil, ganhou holofotes em 2021, com a skatista Rayssa Leal

O sentido literal da tendência streetwear diz respeito às “roupas da rua’’, mas o conceito carrega um significado mais amplo e abrangente que vai além da simples forma de se vestir. Sua origem,  conforme alguns manuais de estilo, é creditada aos estados da Califórnia e de Nova York, mas a tendência bebeu de diversas fontes de transformações culturais ao longo da história para moldar os pilares de como se pensou e se pensa o estilo hoje. Skate e hip hop são, atualmente, dois grandes alicerces que contribuem para popularizar e difundir o que é criado na tendência e são também inspirações para a produção desse mercado. No Brasil, o streetwear ganhou impulso recente com o sucesso de Rayssa Leal, skatista adepta do estilo, nas Olimpíadas de 2021, mas a história do streetwear tem mais de 40 anos.

Combinações com peças mais largas e confortáveis, moletons, jaquetas, tênis, uso de acessórios, entre outros são, provavelmente, as primeiras peças que vêm à mente quando o assunto é streetwear. A pluralidade pode ser lida como um fundamento do que é tendência, que sofre grandes variações a depender da localização geográfica. O estilo é moldado por cada região e carrega as especificidades de cada cultura, assim, o streetwear mapeado no Brasil não será igual àquele percebido, por exemplo, na Inglaterra.

GRUPOS SE MANIFESTAM POR MEIO DO VESTUÁRIO

O streetwear nasceu nas décadas de 1980 e 1990 como um contraponto à moda elaborada e complexa que predominava na época. O movimento começou com grupos de pessoas que usavam camisetas e moletons porque apreciavam as peças pelo conforto e como uma forma de expressão. A tendência surgiu com raízes na subcultura, fortalecida principalmente pelos movimentos de contracultura que dominavam a época. Historicamente, o streetwear caminhou lado a lado com os movimentos de contracultura que surgiam. Além dos esportes, expressões do punk, heavy metal, hip-hop entre outros, deixaram suas marcas no streetwear ao fazer uso da moda de rua para explorar e exprimir suas personalidades. Dessa forma, o streetwear não deve ser visto apenas como mais uma tendência de moda, mas como um movimento de empoderamento da cultura popular fomentada pela música, especialmente pela cultura negra. Segundo a marca de streetwear brasileira High-End, KACE, o streetwear pode ser visto hoje como uma tendência com certo glamour, mas por muito tempo a cena foi perseguida por opiniões preconceituosas quanto aos skatistas, surfistas, rappers, DJs e a deslegitimação de quaisquer grupos que ousavam se identificar como si mesmos. 

Atualmente, algumas visões preconceituosas ainda perseguem o streetwear, com a escolha de peças frouxas vistas e tratadas como desleixo ou descuido. Entretanto, a tendência também se tornou modelo de negócios de grifes tradicionais que buscam atrair a nova geração. A revista Elle, em edição do ano de 2022, destaca que uma nova geração de consumidores que cresceu com o hip-hop, com o skate e o surfe, é o motor de expansão do streetwear no setor de luxo. Segundo a revista, o novo grupo de clientes cumpre papel fundamental nos números de faturamento de marcas como Dior, Gucci e Balenciaga, o que mostra como a cultura streetwear expandiu e cada vez mais se consolida também no mercado de luxo.  

MODA E ESPORTE CAMINHANDO LADO A LADO

O streetwear possui conexões inegáveis com o mundo do esporte, buscando inspiração nas práticas do surfe, do basquete e do skate que ficam refletidas na modelagem de peças mais largas e confortáveis que facilitem a movimentação exigida pelas modalidades. O boom do skate após a estreia na Olimpíada de Tóquio em 2021 é um exemplo nítido da parceria entre a cena do esporte e a da moda. A brasileira Rayssa Leal se consolidou como referência da modalidade ao conquistar medalha de prata com apenas 13 anos de idade, ao passo em que também colocou de volta aos holofotes a moda do skateboarding.

O sucesso na categoria deu à atleta um lugar de notoriedade e aumentou o interesse pela prática assim como a adoção do estilo que usou durante a competição. Matéria divulgada pelo UOL naquele ano destacou que o modelo de tênis usado pela skatista instantaneamente se tornou item de tendência e foi massivamente procurado pelo público. Mesmo antes de se tornar um esporte olímpico, o skate sempre teve grande representatividade no streetwear: o vestuário regado a camisetas folgadas, calças cargo e bonés ganha vida e movimento na realização das manobras radicais, conferindo um quê especial às roupas e também aos movimentos que tornam ambos mais interessantes aos olhos dos espectadores. Tiago Borges, criador de conteúdo sobre moda streetwear no Brasil e no mundo,  afirma que: “Apesar de a moda em geral ser muito feminina, o streetwear é bem masculino. São poucas as referências femininas no meio e a Rayssa, principalmente durante as Olimpíadas, conseguiu sair do nicho do skate e alcançar o público mais geral. O skate é um esporte que segue várias tendências do streetwear e, por fazer parte desse meio, ela automaticamente se tornou referência, principalmente para as meninas”. As comunidades que conduziam o streetwear originalmente eram, em sua maioria, masculinas, assim, o estilo era mais voltado para looks masculinos por ser adotado e dirigido pelo público masculino.

No início dos anos 2000, outra figura que brilhou com o estilo skateboarding foi a cantora Avril Lavigne. Contrapondo as peças justas e brilhantes das divas pop que dominavam o mundo naquele momento, Avril conquistou seu espaço e deixou sua marca com seu estilo peculiar, defendendo que skate (e a moda presente na cena do esporte), também era coisa para mulher. Usando All Star, munhequeira no pulso, gravata em cima de regatas brancas e presas embaixo de calça cargo, a cantora colocou o streetwear em evidência aos olhos do público. Ainda segundo Tiago, a admiração por figuras que adotam esse estilo tem influência na decisão de um jovem de assumir a moda streetwear. No basquete, por exemplo, grandes atletas sempre tiveram linhas de tênis que se tornaram os queridinhos do público. Fã assumido e praticante do basquete desde a infância, a ligação do youtuber com o esporte foi crucial no desenvolvimento de sua paixão pela tendência que, na vida adulta, se tornou seu objeto de trabalho:

Reprodução: Acervo Pessoal | Tiago Borges

“Quando eu era mais novo, achava que se tivesse um tênis igual ao cara da NBA [Liga de Basquete Profissional da América do Norte] eu iria jogar igual a ele.’’

Fato é que o streetwear está conectado com formas de vivência nas mais diferentes localidades ao redor do mundo, refletindo questões geográficas, culturais, religiosas e comportamentais. Mais do que isso, é uma ferramenta usada pelas pessoas para se comunicar e se relacionar com o mundo no dia a dia.

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