O culto ao corpo pode afetar sua saúde

Existem inúmeros benefícios em cuidar do corpo. Mas, o que acontece quando esse cuidado se transforma em obsessão?

Segundo dados de uma pesquisa do Projeto “Dove pela Auto Estima”, realizada em dezembro de 2020 com 503 meninas, de 10 a 17 anos, e 1.010 mulheres, de 18 a 55 anos, existe uma influência negativa na relação entre o uso das redes sociais/filtros e autoestima das entrevistadas – residentes nos Estados Unidos, Inglaterra e Brasil.

Reprodução: acervo pessoal

De acordo com o nutricionista pós-graduado em nutrição esportiva e estética, Eduardo Schelb, 95% de seus pacientes com queixas sobre aparência física, são mulheres. Isso porque a pressão direcionada à elas é maior, e atinge a auto estima quando sentem não se encaixarem nos parâmetros impostos.

A ideia do “culto ao belo”, potencializada pela indústria da beleza, sempre esteve presente na sociedade, sendo visível na cronologia histórica sobre a retratação dos corpos, ou seja, a análise sobre como, durante os anos, foram construídas várias visões do que seria, de fato, a composição física perfeita e adequada.

As mulheres naquela época eram notadas como “belas” por serem gordas, terem cabelos longos e silhueta alongada. Além de serem objetificadas e servirem como objetos de desejo, a figura feminina também era endeusada (referente às deusas do Renascentismo, como Vênus), enquanto os homens eram idealizados por possuírem músculos e poucos pelos nas áreas corporais. Neste contexto, ser gordo era sinônimo de poder, riqueza e ostentação, e normalmente quem estava dentro desses requisitos, fazia parte da elite.

Com o passar dos anos e as transformações no meio social, a forma de ver o corpo foi se modificando. Já no século XVI, eram valorizados corpos excessivamente magros. Com isso, as mulheres passaram a usar espartilhos para diminuírem a cintura, o que acabava por causar fraturas nas costelas e dores por todo o corpo. O cabelo longo permaneceu como um ideal de feminilidade e delicadeza. 

No século XVII e XVIII, a mulher para ser considerada ideal, além de ter a cintura fina, também deveria ter quadris grandes, além de ser branca e sofisticada, com mãos e pés pequenos. Já no século XIX, a ideia do corpo mais avantajado ganhou forma novamente, e na vivência da Revolução Industrial, corpos gordos, assim como braços, costas e coxas volumosos eram próprios da elite. Nos séculos XX e XXI, a história insere uma nova proposta. Para ser considerado padrão, a mulher deve ter um estereótipo magro, seios e bundas grandes, cabelo liso e pele bronzeada. Outra demanda é do corpo musculoso para o homem, sinônimo de saúde, força e preocupação estética.

“Nota-se que a busca pelo corpo perfeito, é uma busca sem fim, pois a cada novo instante, um novo ideal, um novo perfeito é definido e criado pela sociedade e reforçado pelos meios de comunicação, que resulta em uma frustração, pois o resultado obtido nunca se é o ideal, o desejado e almejado pelo indivíduo. Desse modo, é muito suscetível que sua saúde mental fique abalada, sem mencionar também alterações de humor, estresse, entre outros sintomas psicológicos que podem vir a surgir nesse processo”, conclui a psicóloga Danielly de Castro Ferreira.

Reprodução: acervo pessoal

Ela ainda pontua que o cuidado com o corpo não é um problema, a questão é quando se torna uma obsessão, quando as pessoas deixam de cuidar de outras áreas da vida ou de suas tarefas, na busca doentia pelo corpo perfeito. “O indivíduo pode sim almejar um corpo magro, porém sua felicidade não pode depender disso. Suponhamos que, caso esse ideal nunca chegue, a pessoa nunca será feliz? E a felicidade do caminho, das pequenas conquistas não é levada em consideração?”, reflete.

Redes sociais reforçam estereótipos de culto ao corpo
Reprodução: TikTok

Com o surgimento de redes sociais, como o TikTok, houve um aumento na propagação de corpos padrões. Não é raro deslizar o dedo sobre a tela e encontrar na timeline vídeos mostrando exemplos de superação (ações que ajudaram no alcance do padrão), romantizando um estereótipo, ou ensinando o passo a passo de como atingir aquele ideal. Além disso, em uma era midiática na qual curtidas, comentários e compartilhamentos movimentam a popularidade, pessoas que se encaixam nos ideais impostos tendem a conquistar mais sucesso, e às vezes, a qualquer custo. O nutricionista Eduardo Schelb também é pós-graduando em Bodybuilding Coach, e coloca com propriedade o fisiculturismo como um exemplo para esse caso. 

Segundo ele, um atleta de fisiculturismo (principalmente os amadores) pode parecer esteticamente perfeito por fora, mas internamente, estar totalmente “estragado”. Isso pela utilização de hormônios e dietas muito restritas.

“Não é a pessoa levantar um dia e dizer ‘vou ser atleta de fisiculturismo’. É uma caminhada muito longa. Primeira coisa, procurar um bom coach, treinador e médico – para fazer acompanhamento de exames. Um corpo natural não chega nem aos pés de um corpo harmonizado, então no Brasil, o fisiculturismo mais conhecido não é o natural.”

Atleta de fisiculturismo | Reprodução: TV Cultura

“Então, a partir desse momento que você escolhe usar o hormônio, você precisa saber que tem um preço (…) É o que meu professor da pós sempre fala: ‘não existe almoço grátis na utilização de hormônio, uma hora você vai pagar’”, diz Eduardo. 

Em abril de 2023, através da Resolução nº 2.333/23, publicada no Diário Oficial da União (DOU), o Conselho Federal de Medicina (CFM) declarou vetadas as prescrições de esteroides androgênicos e anabolizantes (EAA) para fins estéticos.  A justificativa usada pela CFM foi a falta de segurança no uso, além da ausência de estudos clínicos de qualidade que coloquem a terapia hormonal como benéfica nestes casos. 

“Acho muito importante essa decisão. Sempre foi proibido a comercialização livre, e sempre teve essa exigência de ser um profissional médico para prescrição. Só que qualquer médico estava prescrevendo, porque a legislação não definia qual especialidade podia prescrever. E pelo conhecimento e estudos que a gente têm, o único profissional apto a prescrever (seja para fins estéticos ou terapia) é o endocrinologista”, opina Schelb.

Por outro lado, o nutricionista destaca que essa proibição também abre portas para o mundo off label – que incentiva o uso indiscriminado de um produto, conforme as normas do órgão regulatório de vigilância sanitária no país, no caso do Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).  “Quanto maior a restrição para laboratórios credenciados venderem, maior vai ser a venda dos off label, igual um tráfico de drogas. Se é proibido na farmácia, o atleta não vai ficar sem. Quem usa para estética não vai ficar sem. E o problema do off label é isso, não tem o controle de qualidade, portanto, não se sabe o que está utilizando, se é realmente aquele hormônio que você está aspirando ou colocando na seringa.”

Os perigos da obsessão pelo corpo ideal são muitos, e podem gerar não somente transtornos alimentares, mas também psicológicos. Por isso, é importante que as pessoas realizem com frequência um acompanhamento médico adequado (o Ministério Público disponibiliza serviço gratuito para pessoas com baixa condição financeira). A preocupação com a estética não é algo que pode ser meramente excluído ou ignorado, afinal, a mídia circula esses padrões diariamente, mas é algo que pode ser trabalhado. Com isso, aliar os objetivos estéticos com a saúde é essencial; além de, entender os limites do corpo e se contentar com o processo individual, e para isso, todo suporte profissional é necessário.

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