Deu green! O perigo das apostas esportivas online

Conheça a história de três jovens que se envolveram em apostas online e entenda os perigos e as consequências desse vício

Por Aline Brites e João Victor Almeida

“Fazer uma fézinha”, “deu green” e “odd boa” são frases que vêm ganhando fama no Brasil recentemente, resultado de um aumento acentuado do mercado de apostas esportivas no país. Impulsionadas por um marketing ativo, as “bets”, como são chamadas as casas de apostas eletrônicas, cresceram 734% no Brasil, de 2021 até abril de 2024, de acordo com matéria da CNN de junho desse ano. O cenário tornou o país o terceiro no mundo, em 2023, que mais consumiu sites do nicho, segundo levantamento feito pela Isto É.

Apesar das apostas esportivas já serem uma realidade no Brasil há algum tempo, foram as leis 13.756, de 2018, e 14.790, de 2023, que, respectivamente, legalizaram e regulamentaram o mercado. Assim, foram criadas as bases legais para um novo tipo de aposta, chamadas de “quota fixa”, quando o apostador sabe exatamente o quanto pode ganhar.

No entanto, apesar de ter ciência dos possíveis lucro e risco, os apostadores costumam ganhar menos vezes do que as casas de apostas. Segundo dados estimados pelo Itaú, os brasileiros fizeram R$ 68,2 bilhões em apostas no último ano. Mas, ao comparar o montante com a quantidade ganha em vitórias, houve um prejuízo de R$ 23,9 bilhões. 

Para Jader Cirino, doutor em Economia Aplicada, esta relação é justificada, uma vez que as bets “fazem um volume de apostas para que garantam a sua lucratividade”. Ainda, segundo o especialista, “o jogador sempre vai perder, porque é um jogo de azar. A casa de apostas sempre vai ganhar”.

Foto: Aline Brites e João Victor Almeida

A combinação das grandes campanhas de marketing, associada ao grande potencial de vício em apostas esportivas, faz com que muitas pessoas iniciem as apostas como um hobby, mas acabam tendo grandes prejuízos financeiros. Segundo pesquisa realizada pela Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo, realizada em 2024, 38% das pessoas já haviam feito ao menos uma aposta esportiva online, sendo que 58% são homens. Outro fator que potencializa o problema é a idade dos apostadores: 30% das pessoas que já apostaram online, ao menos uma vez, têm de 16 a 24 anos de idade, e 25% têm de 25 a 34 anos.

Entrevistamos três jovens que fazem apostas online. Natan Soares, bacharel em direito, de 25 anos, que perdeu grandes quantias em dinheiro; Breno Silva, autônomo, de 26 anos, que contraiu dívidas em consequência das apostas; e Guilherme Alves, jornalista esportivo, de 23 anos, que vê as plataformas de bet como uma forma de renda extra. Os três contaram suas experiências e perspectivas sobre essas plataformas.

Os três contaram que começaram a apostar por influência de amigos, do time do coração ou por meio de campanhas veiculadas nas redes sociais digitais. Natan conta que, no início, “não colocava um valor muito alto, aí com o tempo fui aumentando a frequência e os valores aumentaram muito, muito mesmo.” No caso do Breno, o acesso ao recurso financeiro era facilitado por participar de uma empresa familiar . “O dinheiro era muito acessível. Então, beleza, perdi 70, depois coloquei… sei lá, 100, 200 na semana seguinte, e depois disso, apostava quase toda semana.” A expectativa de apostar faz com que os jovens continuem arriscando, mesmo após perderem alguma quantia em dinheiro. Natan conta que a cada vez que perdia, tinha vontade de recuperar o dinheiro perdido, mas acabava criando uma dívida cada vez maior, “cada vez eu apostava por mais tempo, apostava mais dinheiro e a frequência só aumentava.”

A promessa de dinheiro fácil é o que atrai os jovens, na opinião de Guiherme “Eles acham que por assistirem muito futebol ou  basquete vão conseguir ganhar dinheiro fácil, não é assim que funciona.” Para Guilherme, a atividade só pode ser pensada  como um hobby, se o apostador utilizar outras formas de renda, em vez de colocar o dinheiro destinado a alguma outra despesa básica, como o valor do aluguel, conta de energia ou outros. No entanto, segundo Pesquisa realizada em junho de 2024 pela Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo, 63% dos apostadores no Brasil afirmam que tiveram parte da sua renda comprometida com as apostas online. 

Implicações éticas e psicológicas das bets

Como forma de mascarar o valor gasto com apostas esportivas online, a grande maioria das plataformas não apresenta um histórico claro de valores investidos, fazendo com que o usuário precise calcular por conta própria. Outro aspecto importante é a dificuldade em realizar o saque dos valores conquistados, influenciando o apostador a fazer um volume mínimo de apostas, ou então, “aproveitar” que o dinheiro já se encontra na plataforma para retornar a quantia maior em novos palpites. Guilherme Alves comenta uma promessa comum nas redes sociais: “(…) tem muito influencer que vende sonho por aí, falando que vai transformar 10 reais em, sei lá, 1 milhão.”

No entanto, o que observamos é um caminho bem diferente na vida desses jovens, com a grande maioria enfrentando dívidas e o vício nesse mercado. Natan conta como percebeu que precisava de ajuda:

“(…) até pouco tempo atrás, as pessoas da minha família, meus amigos não podiam me enviar pix, todo mundo sabia da situação, que eu ia gastar o dinheiro apostando, eu deixava de sair, deixava de gastar o dinheiro com coisas que eu gosto para poder apostar.”

Já Breno comentou que chegou ao ponto de dever muitas pessoas, em consequência ao vício:

“Eu cheguei num estado que eu estava devendo, eu tinha uma lista com mais de 20 devedores. Isso aí me deixou em depressão, sem dormir, ansiedade. Que aí era questão de, meu Deus, eu preciso apostar pra pagar essa dívida.”

Segundo o relato dos jovens, Natan perdeu uma quantia na ordem de R$ 200 mil reais, enquanto Breno perdeu cerca de R$ 350 mil reais em apostas online. Ainda segundo eles, mesmo realizando tratamento psicológico para controlar a compulsão com as apostas, apesar de ter diminuído o volume de palpites, ambos afirmaram continuar apostando.

Além do faturamento por meio dos valores creditados às plataformas, Guilherme, que possui um grande público nas mídias sociais, também recebe valores provenientes de novos cadastros: “as casas de apostas, de uma maneira geral, trabalham com um tipo de parceria, uma permuta. Você divulga o link da casa de aposta específica e aí você ganha uma porcentagem do valor que entra na casa através de registro, através de apostas feitas.” Em agosto de 2024, o Ministério da Fazenda anunciou a proibição – a partir de janeiro de 2025 – de propagandas com pessoas influentes que sugerem as apostas como uma alternativa para melhorar de vida.

Mesmo defendendo que as bets possam ser vistas como uma possibilidade de renda extra, Guilherme acredita que perdeu mais do que ganhou. Segundo ele, o maior desafio é o controle emocional.

“Não é um processo fácil trabalhar a sua cabeça, trabalhar a sua mente para entender que você precisa estar preparado para dias muito bons e precisa também estar preparado para dias muito ruins.”

Para jovens que estão enfrentando a compulsão por apostas, Breno aconselha a participação em grupos de apoio: “Entrar em grupo de apoio, que tem os jogadores anônimos, fazendo uma pesquisa no Google você acha. E são relatos diários, tem as reuniões diárias de pessoas que passam pela mesma situação (…)”. Natan completa que “é pior que qualquer droga lícita, qualquer vício que eu já tive na vida, o pior de todos.”

“Tem uma frase da minha primeira reunião do “Jogadores Anônimos”, que eles falaram que a aposta esportiva hoje, não só aposta esportiva, mas os jogos virtuais hoje, são como um crack virtual. Isso ficou marcado pra mim porque é um acesso muito fácil, você pode começar a partir de 1 real e você vai querer recuperar aquilo e é muito difícil de sair”, relata Breno.

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