Os esportes eletrônicos, ou e-Sports, dividem opiniões, especialmente quando se questiona se podem ou não ser considerados modalidades esportivas. No entanto, o espaço que vêm ganhando é inegável
-24 de outubro de 2024
Os esportes eletrônicos, ou e-Sports, dividem opiniões, especialmente quando se questiona se podem ou não ser considerados modalidades esportivas. No entanto, o espaço que vêm ganhando é inegável
Por
Juliana Almeida
A indústria dos games foi a mais lucrativa do entretenimento mundial em 2022, superando em até seis vezes o faturamento da indústria cinematográfica, segundo projeções da consultoria PwC. Com todo esse crescimento, os jogos eletrônicos entram em evidência e dividem opiniões no país, quando polêmicas são levantadas questionando se os e-Sports, ou esportes eletrônicos, deveriam ser oficialmente considerados como modalidade esportiva no Brasil.
Mundialmente, o termo e-Sports é utilizado para as competições de jogos on-line, nas quais equipes ou jogadores individuais disputam partidas que podem ser transmitidas virtualmente em plataformas de live streaming. Atualmente, existem diversas competições profissionais de jogos on-line, tais como ESL One, Valorant Champions Tour, PMWL, Worlds, Capcom Cup, Valorant Champions Tour: Liga das Américas, Major League Gaming e o CBLOL no Brasil.
No mundo, a primeira competição de e-Sports ocorreu em 1972, quando a Universidade de Stanford organizou as Olimpíadas Intergalácticas de Spacewar, um jogo de combate espacial desenvolvido para o computador PDP-1. No entanto, a modalidade passou a adquirir notoriedade apenas a partir do ano 2000, em virtude da disseminação da tecnologia da banda larga pelo mundo.
Computador PDP-1 | Reprodução: Wikipedia
A partir daquele ano, países como a Coreia do Sul, graças à disponibilidade de recursos e da tecnologia, passaram a reconhecer, oficialmente, os e-Sports como uma categoria esportiva, ganhando força com a fundação da Korea e-Sports Association, reconhecida pelo Ministério da Cultura, Esportes e Turismo daquele país. Desde então, a organização passou a cuidar das transmissões e das promoções dos eventos, a monitorar as condições de trabalho dos pro players, como são chamados os jogadores dessa modalidade, e a incentivar a prática de jogar videogame no país.
Mais de 20 anos depois, no entanto, os debates sobre os benefícios e os malefícios dos jogos eletrônicos continuam. Questiona-se, por exemplo, o potencial de jogos de tiro incentivarem ou não comportamentos violentos entre os jovens. No Brasil, a polêmica voltou à tona no início de 2023, em decorrência de críticas feitas por figuras públicas, como a então ministra dos Esportes, Ana Moser, e o próprio presidente da república, Luiz Inácio Lula da Silva.
Durante coletiva de imprensa, em janeiro daquele ano, a ministra afirmou que os e-Sports não devem ser considerados oficialmente como uma categoria de esporte e, por esta razão, não devem ser alvos de investimentos públicos. Para a ministra, o setor deve permanecer apenas na esfera do entretenimento, por não possuir a configuração esperada de um esporte oficial.
Tal declaração trouxe à tona diversos pontos a serem considerados, tendo em vista que assim como nos esportes tradicionais, os e-Sports demandam estratégias imprevisíveis e possuem regras complexas. Exemplo disso é que organizações como a Confederação Brasileira de Games e e-Sports (CBGE), um órgão sem fins lucrativos, são responsáveis por desenvolver critérios para definir o que caracteriza um campeonato profissional.
O jogador profissional de League of Legends pela Liberty eSports, Arthur Cruz, afirma que para as gerações anteriores à sua ainda é mais difícil reconhecer tanto o potencial dos jogos eletrônicos, quanto o trabalho na internet de maneira geral. Mas apesar disso ele percebe que, cada vez mais, o setor vem se consolidando e ganhando reconhecimento no país. Em outras palavras, seria apenas uma questão de tempo até as modalidades de jogos eletrônicos serem oficialmente reconhecidas como um esporte no Brasil.
Arthur Cruz | Reprodução: https://www.instagram.com/libertyesports
Para Gabriel Hatori, que atuou como pro player de League of Legends: Wild Rift durante o ano de 2022, os e-Sports ou os jogos eletrônicos, assim como o xadrez e o pôquer, poderiam ser inseridos na categoria de esportes mentais. Além disso, o jogador acredita na importância de investimentos públicos no setor, porém compreende que o país ainda precisaria desenvolver uma cultura de e-Sports, assim como ocorreu em determinados países asiáticos, com o incentivo à categoria e o envolvimento de mais tecnologia.
Gabriel Hatori | Reprodução: https://www.instagram.com/irotahh/
Arthur e Gabriel também relataram seus principais desafios para ingressar no setor. Segundo eles, além da necessidade de desenvolver habilidades e adquirir notoriedade para participar das competições, também foi preciso lidar com a aceitação por parte dos familiares que, inevitavelmente, criam um certo receio ao ver os filhos se dedicando a algo incerto e desconhecido por eles.
Ouça o relato de Arthur Cruz:
Esse receio pode se configurar como um preconceito – ou até mesmo o não conhecimento sobre a atividade – que ganhou força com uma fala do Presidente Lula durante discurso em abril de 2023, quando afirmou que os jogos de tiro estimulam a violência entre os jovens. A fala revisitou o debate acerca da relação desses jogos com o massacre ocorrido em uma escola naquele mês, acirrado pela divulgação nas redes sociais digitais.
No entanto, conforme pesquisa da Universidade de Oxford, publicada no jornal acadêmico Psychology of Popular Media Culture, não existem associações diretas entre jogar videogames violentos e comportamentos violentos. Segundo o estudo, outros fatores na vida de um jovem, como violência doméstica ou bullying, podem influenciar muito mais estes comportamentos. Para a comunidade dos e-Sports, a afirmação do Presidente, assim como a de outros políticos, é considerada problemática, pois pode estar equivocada, além de trazer uma visibilidade negativa para o setor. O que de fato existe, segundo a pesquisa da Universidade de Oxford, é a possibilidade de uma criança desenvolver hiperatividade devido ao hábito de jogar videogames, diariamente, por mais de três horas.
Pesquisas demonstram que as mulheres já representam a maioria do público gamer (jogador) e correspondem a mais de 50% dos jogadores dessa modalidade no Brasil. No entanto, estereótipos sobre o que deve ou não pertencer ao universo feminino, conferem uma concepção que pode ser considerada machista ao mundo dos jogos eletrônicos, no qual o hábito de jogar videogames não é considerado “coisa de mulher”.
Rafaela Carneiro | Reprodução: https://www.instagram.com/rafaelacamisa10
Rafaela Carneiro, que gosta de jogar videogames desde criança, começou a participar dos jogos on-line em 2010 e a fazer lives stream na plataforma Twitch depois de um ano de lançamento do jogo de FPS Valorant. A gamer conta que sempre precisou lidar com o preconceito nos jogos por ser mulher e que, por esta razão, precisou desenvolver estratégias para não permitir que isso atrapalhasse seu desempenho. Segundo ela, o preconceito tornou-se ainda mais acirrado quando passou a participar dos jogos de tiro, nos quais aspectos machistas da comunidade tornam-se mais evidentes, já que existe um forte senso comum de que estes jogos foram feitos apenas para o público masculino.
Em razão desse preconceito, muitas jogadoras, principalmente quando cometem algum erro durante a partida, tornam-se alvo de piadas, críticas ou ataques, realidade que tem motivado discussões acerca da participação feminina no mundo dos games. Assim, com o receio de serem subestimadas ou julgadas, muitas mulheres optam por jogar utilizando nicknames masculinos ou, até mesmo, desistem de continuar nos games.
No entanto, apesar de todos os desafios, o número de jogadoras mulheres que se destacam no setor cresceu, assim como uma série de movimentos de resistência contra os ataques machistas. Além disso, as próprias organizações que desenvolvem os jogos têm trabalhado para que mulheres conquistem maior representatividade, sem seguir um padrão excessivamente masculino ou feminino, como costumava ser até pouco tempo atrás.