Embora os dados evidenciem um problema de infraestrutura escolar, professores têm autonomia de escolha para além dos esportes tradicionais
-16 de dezembro de 2024
Embora os dados evidenciem um problema de infraestrutura escolar, professores têm autonomia de escolha para além dos esportes tradicionais
A educação física é fundamental para o desenvolvimento psicomotor de crianças e jovens na escola. No entanto, existem muitos desafios para que isso aconteça. Dados do Censo Escolar da Educação Básica, divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), mostram que apenas 40,6% das escolas brasileiras possuem quadras e materiais adequados para as aulas. A professora do curso de Educação Física do Instituto Federal do Sudeste de Minas Gerais Campus Rio Pomba, Priscila Soares, conta que a infraestrutura é um problema enfrentado pelos profissionais, mas pode não ser o maior deles. “Quando pensamos na estrutura, acabamos limitando a educação física e esquecemos que ela tem componentes teóricos. Temos também alternativas aos esportes tradicionais. Precisamos analisar também o que os professores têm feito para além das quadras”.
Outro problema que acaba afetando a qualidade do desenvolvimento de crianças e jovens, é a escolha dos conteúdos que serão desenvolvidos nas aulas práticas de educação física. Muitas vezes, o quadrado mágico (futsal, vôlei, handebol e basquete) é a única realidade experimentada pelos estudantes nas escolas. Segundo o documento que normatiza as ações pedagógicas na educação básica, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), as práticas corporais que devem ser desenvolvidas nas aulas de educação física podem ser divididas em seis grupos: jogos e brincadeiras, esportes, ginásticas, lutas, aventuras e danças, que também têm sua importância teórica. O reconhecimento histórico de jogos e brincadeiras de matriz africana e indígena, por exemplo, contribuem com um ideal de estímulo ao desenvolvimento cultural dos estudantes.
Sendo assim, conforme ressalta Soares, nem todos os conteúdos da Educação Física necessitam de uma estrutura para serem desenvolvidos. É também preciso que o professor planeje suas atividades adequando-as à realidade enfrentada, além da possibilidade do desenvolvimento teórico dos componentes curriculares.
No entanto, a falta de materiais nas escolas brasileiras também é uma realidade. De acordo com pesquisa divulgada pelo Instituto Península, em dezembro de 2023, quase 80% dos professores de educação física no Brasil já precisaram comprar materiais para levar para as escolas em algum momento, o que contribui com a ideia de que há um problema estrutural na educação física escolar no país. Ainda sobre a pesquisa do Instituto Península, dentre os principais materiais levados pelos professores com dinheiro do próprio bolso, 19,2% são bolas de futsal, 17% bolas de vôlei, 13,6% bambolês e 11,2% bolas de handebol.
Sendo assim, mesmo quando os professores podem escolher o material a ser comprado, acabam limitando às modalidades esportivas mais comuns, conhecidas como o quadrado mágico..A falta de pluralidade de experiências psicomotoras, segundo Soares, pode acarretar consequências que serão notadas durante a vida. Em diversas situações do cotidiano precisamos utilizar atributos físicos e psicológicos que devem ser trabalhados dentro da escola. “Quando você for tirar uma carteira de habilitação, por exemplo, a educação física vai estar lá sem você perceba, pois aspectos desenvolvidos ou não nas aulas de educação física serão solicitados como a noção de espaço, lateralidade, visão periférica, coordenação motora, entre diversos outros exemplos”, explica a professora.
Priscila Soares ainda sugere que professores de Educação Física, busquem para além das experiências dos esportes tradicionais, principalmente modalidades e conteúdos aos quais eles não tenham tanto conhecimento. Buscar inserir isso em seu contexto, durante as disciplinas de estágio, durante os processos de docência compartilhada que acontecem ainda na graduação, para que depois de formados, possam contribuir para uma mudança na realidade dentro das escolas.
“A graduação é da dimensão do oceano e da profundidade de um pires. Ela é apenas o primeiro passo. Infelizmente, muitos profissionais param por aí. A licenciatura prediz também uma caminhada constante no que tange ao aspecto intelectual. O professor deve estar em constante atualização e deve buscar se envolver em grupos de estudo, especializações, atualizações, mestrado e doutorado”.
Em razão da dificuldade de experiência de algumas modalidades dentro da escola, é importante que existam projetos, ações do estado, prefeituras, universidades, e até mesmo de Organizações não governamentais (ONGs), para que seja possível que as crianças tenham acesso a experiências que são praticamente inacessíveis no contexto escolar
O projeto de extensão “Ginástica Artística”, da Universidade Federal de Viçosa (UFV), coordenado pela professora Mariana Patrocínio, contempla essa necessidade, pois, de acordo com a estagiária responsável, Taís Rodrigues, “o projeto tem o objetivo de estimular jovens, crianças e adultos à prática regular de exercícios físicos através de uma modalidade de raríssimo acesso. O pavilhão de ginástica que se encontra na UFV, possui diversos aparelhos, como: argolas, trave de equilíbrio, paralelas simétricas e assimétricas, trampolins, cavalo, mesa, entre outros, onde são desenvolvidas as atividades do projeto. Para a participação, é necessário que seja feita inscrição pelo site da Fundação Artística, Cultural e de Educação para a Cidadania de Viçosa (Facev), onde no momento o projeto se encontra com uma fila de espera”, disse a estagiária.
Para se manter funcionando, o projeto conta com uma mensalidade de R$ 50,00. “Temos uma parceria com duas escolas, uma de Cajuri (Dr Juarez) e uma daqui (Anita Chequer), totalizando 34 bolsas para os alunos. Temos mais de 200 alunos, mas hoje, infelizmente, nossa fila de espera já conta com mais de 100 alunos”, contou Taís.
Um desafio encontrado pelo projeto para aumento do número de turmas, é a falta de pessoal capacitado, já que segundo a estagiária responsável, “a ginástica artística é uma modalidade muito específica, que exige técnicas e cuidados minuciosos. Ter uma quantidade considerável de estagiários com horas vagas e capacitação é algo bem complexo”.
Priscila exaltou a importância de projetos como o da Ginástica Artística, que abrangem para além do quadrado mágico. “É extremamente importante a consciência de que existam esse e muitos outros projetos, de atuações diferenciadas, para fugirmos das atuações repetidas”.