Por Francielle Paixão e Jaqueline Holanda
O músico trabalhou na releitura de arranjos de clássicos da música católica instrumentais contou com a produção de Enéias Xavier, e a participação do baterista Lincoln Cheib, e o violoncelista Sérgio Rabello.
A relação da música com a Igreja Católica há séculos exprime uma intimidade autêntica, em que beleza, harmonia e Verdade se encontram. Ao longo da história da instituição encontramos nas escrituras a presença dos cantos e sua importância para a liturgia, como Davi ao compor o livro dos Salmos, utilizados em todas as celebrações eucarísticas até os dias atuais. Além disso, destacam-se grandes nomes da música erudita que foram católicos, como Beethoven (1770 -1827) e Mozart (1756 – 1791), compositores de missas e obras que retraram essa fé.
É a partir da articulação das notas que a melodia nasce. E assim, no século X, um monge italiano chamado Guido Arezzo, registrou as notas musicais num esquema que hoje conhecemos como partitura para que seus alunos visualizassem melhor a harmonia, a melodia e o ritmo das músicas.
A evidente relação entre música e espiritualidade ainda vive e tem-se a oportunidade de experimentar novas criações que fazem os fiéis e os conhecedores de música se conectarem com a arte transcendente.
Lançado em dezembro de 2021, “Barrocco”, de Marcelo Schitine, possui oito faixas instrumentais – sendo sete releituras de músicas católicas e uma composição própria. A motivação para a gravação do álbum foi um fator importante para o músico formado pela Univerdade Federal de Ouro Preto (UFOP) e pela Universidade de Música Popular (Bituca), situada em Barbacena. Em entrevista cedida à equipe, Marcelo conta que já possuía alguns arranjos de violão solo prontos e um desejo de gravá-los, mas não gostaria que fosse apenas para satisfazer uma realização pessoal, já que a sua música é voltada exclusivamente para a Igreja a 25 anos.
A decisão de gravar os arranjos feitos por ele em 2005 nasceu de uma conversa informal com amigos que o comunicaram sobre a Lei Aldir Blanc e 48 horas foram suficientes para submeter o projeto até o encerramento do edital.
“Quando eu comecei a dar os passos, o chão começou a aparecer pra mim. Então eu entendo isso (o álbum ‘Barrocco’) muito como uma providência de Deus mesmo.”
Marcelo Schitine, em entrevista.
O projeto
Após ser contemplado no edital da Lei Aldir Blanc, Marcelo trabalhou na execução do projeto e foi em busca da produção do álbum e dos instrumentistas que participariam.
Visando uma gravação simples e de qualidade profissional, a produção ficou a cargo do músico Enéias Xavier, reconhecido nacional e internacionalmente por seus trabalhos feitos no cenário da música atual, além de colaborações com artistas do Clube da Esquina, em Belo Horizonte.
O primor técnico foi o norte dos convites encaminhados aos instrumentistas que executaram as faixas em que Marcelo elaborou os arranjos de violão solo, com harmonia e melodia, além do arranjo para a banda, com bateria, baixo e o violoncelo.
É lógico que existe música instrumental na Igreja, mas com essa releitura mais radical, que pega a música, altera o compasso, faz inversão de jazz ou baião… isso eu desconheço.
A banda foi composta por Lincoln Cheib, baterista do Milton Nascimento desde a década de 1990, e está em turnê pela europa, EUA e Brasil, além de ser reverenciado mundialmente. Sérgio Rabello, exímio baixista e violoncelista também participou das gravações. Tocou na Banda Dominus por 10 anos e hoje toca na Orquestra Sinfônica de Minas Gerais, além de ser o compositor da trilha sonora da novela Gênesis.
Tragetória de Marcelo Schitine
Por influência da irmã e de alguns amigos, começou no instrumento violão. Autodidata, logo se dispôs a tocar num grupo de oração infantil, no grupo Fonte de Vida, que se reunía no Salão Paroquial do Santuário de Santa Rita de Cássia. Na sua juventude, passou pela equipe de música do grupo Jovens Seguidores de Cristo (JSC) e também fez parte da Banda Kairós, em 1999, seguindo juntos por 12 anos.
Com a Banda Kairós, Marcelo teve a oportunidade produzir um álbum nos estúdios da Canção Nova. Todas as músicas eram composições de Cristiano Silva, o vocalista. “(…) Ótimas música também, foi uma experiência muito bacana”, relembrou.
“Eu me apaixonei pela música mesmo e então eu decidi estudar.”
Sua primeira formação foi na UFOP, no curso de Licenciatura em Música, em 2010. E no final da graduação foi aprovado no vestibular da Bituca, escola voltada para formação musical profissional, onde todos os mestres são artistas que atuam no mercado. Conseguiu sua certificação no ano de 2011.
Após conquistar a formação superior, Marcelo foi professor em escolas e conservatórios de música, mas voltou para Viçosa, no intuito de trabalhar com outras áreas. Diante da incerteza no futuro como músico e por questões de sobrevivência, precisou tocar em bares e até com duplas sertenajas, estilos que fugiam do seu ideal.
“Minha vida inteira foi tocando na Igreja, né, um amor pela música (…) Aí, quando eu me deparei com isso, (…) foi meio frustante. Então eu decidi dar uma pausa (…) com o objetivo de que quando a minha vida tivesse mais estabilizada eu voltasse a tocar, mas já com a liberdade de tocar o que eu gosto. “
Como se deram as gravações
“Mudou minha vida a convivência com esse pessoal no estúdio. (…) Eu sou outro músico depois dessa experiência”
Embora tenha mais de 20 anos atuando na Igreja, Marcelo relata que não possui experiência em estúdio, sendo esta a primeira oportunidade em atuar na gravação, de fato. Acompanhado de ansiedade e nervosismo para gravar ao lado de músicos experientes, ele relata que pôde vivenciar algo extraordinário:
“Teve uma das músicas, né, que é a ‘Eu Navegarei’, nós gravamos primeiro a bateria e o baixo e o Serginho, que é o violoncelista, gravou o celo em casa. É uma música de mais de oito minutos. E eu só ouvi a gravação do celo na hora que eu tava dentro do estúdio para gravar o violão base. Eu achei assim… o arranjo foi tão maravilhoso, o que ele fez, né. Aquele conjunto da obra tanto com a bateria, com o baixo e com o celo, e o vilão que eu tava gravando também, foi uma das primeiras músicas que eu gravei. Eu gravei os oito minutos de música com o olho fechado. Eu tive uma experiência do Espírito Santo. A chance de eu gravar tranquilo igual eu gravei, sendo inexperiente como eu sou, era zero, sabe. Tive uma experiencia que todo mundo do estúdio, até o cara da mesa de som lá ficou filmando assim, ficou meio anestesiado também com a situação assim. Eu senti muito a presença de Deus. E até chorar na música, coisa que é muito difícil pra mim. Chorar, eu não sou muito de chorar e nem de ficar tranquilo naquela situação toda, daquela pressão que tava sobre mim ali. Foi indescritível, extraordinário assim.”
Além disso, Marcelo afirma que o aprendizado através do momento compartilhado com os outros músicos mais experientes marcaram sua caminhada: “Eu posso dizer que sou outro músico antes e depois dessa gravação.”
Nas gravações que duraram três dias, Marcelo Schitine tocou cinco instrumentos: o violão de nylon, sendo o principal, o violão de aço, a viola caipira, a guitarra e o alaúde – primeira oportunidade de utilizar o “avô do violão”, como explicou o músico que na música “Eu Navegarei” conseguiu executar as notas de uma maneira tranquila, mesmo não sendo o seu instrumento de domínio.
A escolha das músicas
O critério de escolha das faixas do álbum precisou ser pautado nas características das músicas originais que possibilitassem a construção de um arranjo para violão. Além de ser um trabalho muito delicado, de análise técnica, Marcelo descreve que o principal guia era gostar das músicas, simplesmente.
“Eu gosto muito dessas músicas tradicionais, mais antigas, eu gosto muito. (…) Mas pra fazer um arranjo pra violão têm muitos desafios. As vezes a música é maravilhosa, mas a melodia dela é muito simples. As vezes tem uma letra muito bonita, que eu gosto muito, e eu não conseguia fazer um arranjo por que a melodia era muita repetitiva e pra musica instrumental não ia soar muito legal. Ou músicas com notas muito longas também não dá certo por que o violão não consegue sustentar por muito tempo.”
Projetos Futuros
Inicialmente, o músico pretende gravar em outros formatos, com cantores. Além disso, ele fabrica instrumentos com materiais alternativos – PVC, bambu – e deseja gravar músicas com eles, já que trabalhou na área por um tempo após sua passagem na UFOP.
Hoje, Marcelo ressalta que todo o seu trabalho na música é doação para a Igreja, apesar de não achar imoral aquelas músicos que precisam cobrar o serviço para se manterem. Ele afirma que não pretenções de alcançar fama, mas deseja incentivar outras pessoas a se aprimorarem tecnicamente para produzir trabalhos como este que realizou no álbum “Barrocco”.
“Minha música é tentar devolver um pouquinho do que eu recebo de Deus. Meu objetivo é contribuir com a Igreja”, completa.
Além disso, em Viçosa, ele está empenhado na formação prática e teórica de músicos católicos, tendo em vista a deficiência técnica existente no espaço. Segundo ele, o estudo é importante para ajudar as pessoas rezarem nas celebrações, juntamente com a formação espiritual e litúrgica.
O serviço de Marcelo na música está concentrado na cidade, onde toca regurlamente nas celebrações da Capela da UFV e na Paróquia de Nossa Senhora do Rosário de Fátima.
A oportunidade de reproduzir músicas intrumentais não está muito longe de acontecer. Marcelo conta que pretende repetir uma experiência que o marcou por volta de 2003. Ele integrava uma banda católica instrumental, em Viçosa, na qual recebeu o convite para tocar na formatura da turma de Filosofia da Faculdade Dom Luciano, no Seminário de Mariana. A banda tocou na festa e na missa em ação de graças pela conclusão do curso dos seminaristas.
“Não tinha nenhum cantor, a assembleia cantava. Foi uma das melhores missas que eu participei até hoje, marcou muito. Padre Paulo Nobre que levou a gente pra essa formatura já deu abertura para fazermos isso na Capela da UFV”
Ele colaborou nas edições do SEARA (retiro de carnaval realizado anualmente no município) de 1999 a 2006 e após retornar da graduação em 2010 até o momento. Também atua com o grupo musical Nascente, da Fraternidade Pequena Via, a 20 anos em Viçosa.