sábado, novembro 23

Nos trilhos do Bar do Jarbinhas

“Dedico esse depoimento a Viçosa, a todos que trabalhavam comigo, às pessoas que frequentaram e sei que tem muitos que carregam até hoje, no bolso, a carteirinha do Bar do Jarbinhas”.

Essa é a fala de Jarbas Abrantes, dono do Bar do Jarbinhas, que traz consigo inúmeras lembranças e afetos dos tempos em que alegrava as noites de Viçosa. Na década de 1990, era difícil achar algum morador da cidade que nunca tivesse frequentado o bar, conhecido pela música boa e ambiente acolhedor.

Carteirinha de sócio do Jarbinhas
Carteirinha de sócio do Jarbinhas

A primeira versão do Bar do Jarbinhas foi no número 60 da Avenida Santa Rita, chamado carinhosamente pelo dono de cortiço. Segundo Jarbinhas, quando o bar surgiu, em meados de 1992, não havia o objetivo de crescer comercialmente, a ideia era criar um lugar familiar, com a presença apenas de pessoas próximas, longe das demandas de um comércio grande. Entretanto, na trajetória do cortiço até o Estação Viçosa, último endereço do estabelecimento, o Bar do Jarbinhas saiu da zona de amigos e conquistou o coração do público Viçosense, tornando-se uma das maiores atrações de sua época.

Em meio ao grande crescimento do público e às reclamações de barulho dos vizinhos, o bar passou por seis localidades. Em todas elas, a música era voltada ao rock e à MPB. A organização promovia shows de cantores regionais e trazidos de fora, bandas ou artistas solo. O lugar sempre contava com melodias que animavam e identificavam os frequentadores. “O rock foi nossa bandeira, seguido da MPB. São dois ritmos que a letra sempre teve uma importância fundamental,” afirma o Jarbinhas.

O ambiente do bar tinha características bem alternativas, com luz negra sempre presente, cartazes de filmes e fotos 3×4 dos frequentadores pregadas nas paredes, entre outros objetos decorativos. “Na casa dele era tipo assim: quando uma pessoa quer tomar uma cerveja e não quer sair de casa, chama os amigos pra lá, apesar dele (Jarbinhas) ter colocado freezer, sofá, puf. Era algo bem alternativo,” relembra a ex-funcionária e amiga Adriana Fialho sobre as origens do Jarbinhas. Além disso, antes de o bar ser popular na cidade, os frequentadores recebiam uma carteirinha, na qual podiam chamar um convidado para conhecer o local.

Colecionando histórias e cativando o público, o bar passou da Av. Santa Rita para um prédio ao lado do cemitério Dom Viçoso – onde recebeu até o prefeito Antônio Chequer para a inauguração. Apesar do sucesso, houve resistência dos vizinhos e, por conta da derrota na justiça por perturbação de ordem pública noturna, o estabelecimento mudou-se novamente. Sua terceira localização foi uma casa no Balaústre – embaixo de onde atualmente é o McBee, que chamavam de inferninho. Os shows continuaram, assim como as reclamações de barulho. A alternativa foi, então, levar o bar para cerca de 17km do centro, na Violeira, o que gerou preocupação, pois muitos iam de carro. Assim, os frequentadores começaram uma campanha para a volta do bar à cidade.

Cartaz de evento no Jarbinhas

Na tentativa de atender as demandas inquietantes, a opção seguinte surgiu a partir de uma parceria com o antigo cinema de Viçosa, o CineBrasil. A nova localização era na Rua Padre Serafim, que atraiu muitos olhares, teve frequentadores assíduos e realizou inúmeros shows.

Apresentaram-se na casa artistas reconhecidos nacionalmente como Los Hermanos, Nando Reis, O Rappa, Tia Anastácia, além de bandas de covers, entre outros artistas locais. Nas quartas-feiras, o rock e a MPB, que caracterizavam o bar, passaram a dar lugar para o forró, em noites que ganharam grande proporção na cidade, que recebeu shows de artistas como Geraldo Azevedo.

O bar, que começou despretensiosamente, havia assumido proporções maiores. Contudo, o espírito permanecia alternativo. Jarbinhas lembra que sempre que era chamado por Jorge, porteiro do local, já sabia o que aconteceria. Mesmo que alguém não tivesse condições de pagar a entrada, era admitido no bar.

O sexto e último bar foi o Estação Viçosa, com um sócio chamado Francisco. De acordo com Jarbas, o lugar não tinha a sua essência original, era mais voltado para tira-gostos, longe de ser um lugar com a identidade musical que distinguia os espaços anteriores.

Lembranças e afetos

Os diferentes locais por onde o Bar do Jarbinhas passou ambientaram experiências e memórias que marcaram toda uma geração de vida noturna em Viçosa. O sentimento de amizade e a descontração caracterizavam o trabalho no bar, como lembram ainda hoje os antigos funcionários. Já os frequentadores compartilham bons momentos e histórias inusitadas vivenciadas no Jarbinhas.

Dione Pimentel, frequentadora do Bar do Jarbinhas

Dione Schaider Pimentel viveu sua primeira experiência no Bar do Jarbinhas em 1996, em seu ano de caloura no curso de arquitetura. Logo, se tornou frequentadora assídua do estabelecimento, marcando ponto todas às quinta-feiras, dia em que uma de suas amigas, Thaís Coutinho,que era cantora, se apresentava

Ela estava presente no famoso show da banda O Rappa, e viu com os próprios olhos quando o cantor Falcão se jogou do palco em direção ao público. Incrédula, observou a plateia se afastando, enquanto o vocalista se estatelava no chão,quebrando a costela.

Com o sucesso do bar, enormes filas se formavam para entrar no estabelecimento, estendendo-se até a PH Rolfs. Em uma das quinta-feiras, enquanto esperava sua vez de entrar, Dione notou um burburinho que logo tomou conta de toda extensão da fila. Imediatamente, ela viu o que chamava a atenção de todos: um menino usando apenas um chapéu, cinto e bota, cinto e bota, corria nu pela rua

Cláudio Lyro, frequentador do Bar do Jarbinhas
Cláudio Lyro, frequentador do Bar do Jarbinhas

Cláudio Lyrio também acompanhou a evolução do Bar do Jarbinhas. Ele era um dos clientes que chegou a frequentar o bar instalado na casa do dono, época em que ele confiava a chave de sua porta e na honestidade de seus membros para que pagassem a cerveja consumida. ‘’O Jarbinhas montou um bar na casa dele, na ladeira perto do cemitério, antes de ser no centro da cidade. Quando chegava a madrugada, ele ia dormir e a gente ficava tomando cerveja até a hora que quisesse. A bebida ficava na geladeira dele, então era como um self service: a gente bebia, deixava o dinheiro no balcão da cozinha, trancava a porta e ia embora. Era um bar inusitado, onde os clientes tinham a chave da casa.’’

Ainda sobre a marcante história de deixarem o Falcão conhecer o solo viçosense de forma um tanto quanto natural, Cláudio estava lá e foi um dos que não achou uma boa ideia de segurar o cantor. Segundo ele, Falcão terminou o show sentado em uma cadeira e mais tarde foi para o hospital

Roberta Passarinho, ex-gerente do Bar do Jarbinhas
Roberta Passarinho, ex-gerente do Bar do Jarbinhas

Roberta Passarinho, moradora de Viçosa, atuou como gerente no Bar do Jarbinhas em dois períodos, no cemitério e no balaústre. Ela lembra que o local era tão especial que trabalhar não era apenas um esforço, mas um imenso prazer. Contar as horas para a chegada do final de semana era uma realidade, então quando o estabelecimento começou a funcionar também às quarta-feiras, a euforia duplicou.

Sua mais forte lembrança, porém, é com a equipe que trabalhava no local, com quem desenvolveu um vínculo realmente familiar, que permanece até os dias atuais. Roberta é grata pelas vivências que compartilhou com funcionários e frequentadores e considera as noites no Jarbinhas como memoráveis, as melhores de sua vida.

O Bar do Jarbinhas ficou marcado como uma lembrança especial não apenas para Roberta Passarinho, mas para todas as pessoas que puderam vivenciar a experiência de uma noite em alguma das versões do estabelecimento.

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